O Reino Petrificado - Folclore Eslavo

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Castles of Time - Nemtsev Yuriy. Óleo sobre tela. 70x100cm. 2016.


 Era uma vez um soldado muito cuidadoso e disciplinado.
 Um dia, quando lhe faltava já pouco tempo para terminar o serviço militar, os superiores começaram a embirrar com ele e a dar-lhe bengaladas. O soldado que não os podia aturar, resolveu fugir. Pôs a mochila ás costas e a espingarda ao ombro, e começou a despedir-se dos camaradas. Um deles perguntou-lhe:
   - Aonde vais?
 O soldado respondeu:
   - Não me façam essa pergunta. Passem muito bem.
 Foi andando, andando, até que chegou a outro reino. Aí viu uma sentinela e quis saber:
   - Não haverá por aqui algum lugar onde eu possa descansar?
 A sentinela foi perguntar ao sargento, o sargento ao oficial, este ao general, e o general perguntou ao próprio czar:
 O czar mandou chamar o soldado e perguntou-lhe:
   - Quem és tu, donde vens e aonde vais?
 O soldado confessou tudo e pediu ao rei que o tomasse ao seu serviço.
 O czar disse-lhe:
   - Está bem, ficas aqui de guarda ao jardim. Tem havido aqui coisas estranhas: alguém tem vindo partir as minhas árvores prediletas. Trata pois de guardar bem o jardim, que te hei de recompensar bem.
 O soldado aceitou e pôs-se a guardar o jardim.
 Durante dois anos tudo correu bem. Mas no terceiro ano, o soldado foi um dia ver todo o jardim. E viu que metade das melhores árvores estavam todas partidas. Ficou muito assustado, pois tinha medo que o czar o mandasse enforcar.


 Agarrou na espingarda e encostou-se a uma árvore, pensativo.
 De repente, ouviu-se um grande barulho. Era uma ave enorme e medonha que vinha partir árvores. O soldado deu-lhe um tiro, mas não a matou. Apenas a feriu na asa direita. A ave deixou cair da asa três penas e fugiu. O soldado persegui-a, mas como a ave corria muito depressa, safou-se para um abismo onde ele nunca lhe poderia deitar a mão.
 O soldado não teve medo e atirou-se também. Feriu-se e ficou sem sentidos durante um dia. Quando voltou a si, levantou-se e olhou em volta, vendo um mundo igual ao de cima.
 Pensou que lá também devia haver gente. Foi andando até que chegou a uma grande cidade. À porta estava uma sentinela.
 O soldado começou a fazer perguntas ao colega, mas este calava-se e não se mexia. Tocou-o então com uma mão e viu que era de pedra. O soldado foi ver o regimento da guarda e reparou em muita gente, uns de pé e outros sentados, mas todos petrificados.
 Depois foi passear pelas ruas, e viu em toda a parte a mesma coisa: ninguém era vivo, todos estavam petrificados. Foi dar em um balcão muito bonito, entrou e viu comidas e bebidas. Todavia, em volta estava tudo silencioso e deserto. O soldado comeu e bebeu, e depois sentou-se descansando.
 De repente sentiu que havia alguém na escada. Agarrou de novo na espingarda e pôs-se à porta.
 Então entrou no quarto uma bela princesa com aias e criadas. O soldado fez-lhe continência e ela cumprimentou-o carinhosamente, dizendo:
   - Bom dia, soldado. Conta-me como te achas aqui.
 O soldado assim fez:
   - Fiquei de guarda ao jardim do czar. Veio uma grande ave e começou a partir árvores. Dei-lhe um tiro e tirei-lhe três penas de uma asa. Corri atrás dela e cheguei aqui.
 Disse-lhe a princesa:
   - Essa ave é minha irmã. Tem feito muito mal e até prejudicou o meu reino: petrificou todo o povo. Mas olha, pega neste livrinho, põe-te aqui a lê-lo desde o anoitecer até os galos cantarem. Por mais medo que tenhas, não faças caso, lê o livrinho e segura-o bem para não o tirarem de ti, senão morres. Se estiveres assim três noites, caso contigo.
 O soldado aceitou.
 Ao anoitecer, pegou o livrinho e começou a ler. De súbito ouviu-se um grande barulho e entrou no palácio um exército inteiro, apareceram diante do soldado os seus antigos superiores e começaram a repreendê-lo e a ameaçá-lo de morte por ter fugido. Carregaram as espingardas e apontaram-nas ao moço. Mas ele não lhes ligou, continuando a ler.
 Cantaram então os galos e tudo se sumiu de repente.
 A noite seguinte foi mais medonha e a terceira pior ainda. Vieram algozes com serras, machados e martelos e queriam tirar-lhe o livro das mãos e dar cabo dele. Custou-lhe muito aguentar aquilo.
 Mas assim que os galos cantaram sumiu-se tudo, na segunda e na terceira noite, tal como na primeira.
 No mesmo dia ressuscitou o reino. Havia grande movimento nas ruas e nas casas. A princesa apareceu o palácio com os seus generais e todo o séquito. Agradeceram muito ao soldado, tratando-o por majestade.
 No dia seguinte o moço casou com a bela princesa e viveram muito felizes.


    Fonte:

MOUTINHO, Viale. Contos Populares Russos. São Paulo: editora Landy, 2000.

Sepulturas em forma de casinhas de bonecas

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Essas sepulturas são adoráveis, mas ao mesmo tempo trazem á memória lembranças pesarosas de adoráveis meninas pequenas que faleceram, deixando saudade nos corações de seus parentes, que para sempre se lembrariam do amor que em vida dedicaram á essas doces e inocentes almas.
Nessas casinhas de bonecas foram sepultadas crianças pequenas, as quais os pais estimavam muito e decidiram mandar construir casinhas decoradas com brinquedos e objetos pertencentes ás crianças.
Apesar de terem sofrido vandalismo ao decorrer dos anos, as casinhas continuam sendo mantidas e restauradas quando necessário.

Dorothy Marie Harvey (1926-1931): sua família na época estava passando pela cidade de Medina, no Tennessee, em direção ao Norte á procura de emprego, quando Dorothy contraiu sarampo e faleceu. As pessoas da cidade ajudaram sua família a enterrá-la, em Hope Hill Cemetery. Seus pais decidiram construir a casa de bonecas em sua memória. Depois eles a deixaram lá e seguiram seu caminho.


A lápide da casinha

Lendas locais dizem que ás vezes as pessoas podem ver Dorothy se olharem dentro de sua casinha.


Vivian Mae Allison (1894-1899):




A casa de bonecas de Vivian Mae Allison está localizada no cemitério da cidade de Connersville, Indiana.

Lova Cline (1902-1908):



Lápide da família Cline: Lova e seus pais

A casa de bonecas de Lova Cline está localizada no Cemitério Arlington East Hill, na cidade de Arlington, em Indiana.

Nadine Earles (1929-1933):





A casa de bonecas de Nadine Earles está localizada no cemitério de Oakwood, na cidade de Lanett, no Alabama.
A história diz que Nadine queria uma casinha de bonecas de presente de Natal, porém faleceu antes do feriado. Seus pais então construíram a casinha ao redor de seu túmulo e decoraram com seus brinquedos favoritos e objetos pessoais.
Eis aqui um vídeo mostrando a casinha de Nadine por dentro e por fora, em vários ângulos: https://www.youtube.com/watch?v=xgMVJeH8GGY

Fênix de Ouro

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Eis aqui outro conto de uma lenda do Folclore Chinês, tirado do livro "Lendas do Celeste Império", da autora Chaing Sing (pseudônimo da escritora Glycia Modesta de Arroxellas Galvão).
Já avisando aos leitores que Fênix de Ouro é o nome de uma moça, filha do mandarim Tsu. E nesse conto não há menção sobre a ave mitológica Fênix. Mesmo assim o conto é bem interessante!



  O Bonzo subiu lentamente as escadas de mármore que conduziam à Torre Ocidental. Seco como um pergaminho, em sua cabeça rapada viam-se as sete tatuagens do ritual religioso. Abriu a pesada porta de cedro e olhou o Grande Sino Dourado. Aproximou-se e com um martelo golpeou as bordas gigantescas que tinham textos búdicos gravados. O som cristalino se espalhou pelo céu de porcelana. A onda sonora fazia estremecer os pequenos dragões verdes que vigiavam as pontas recurvas dos telhados de laca. As cornijas esculpidas vibravam também suas inumeráveis campainhas chamando os fiéis para a hora da quinta prece.
  Depois de cada golpe, como era sonoro o sino e seus ecos, formando prolongada queixa dourada! Aos poucos a sonoridade imensa se extinguiu e um misterioso gemido feminino murmurou:
   - Ai!...
  O bonzo contemplou o sino com piedade infinita. Soltou um suspiro, fechou a porta e saiu em direção ao Santuário da Purificação. Nem ele nem o povo de Pequim ignorava o estranho sortilégio daquele sino. Sua história data de muitos séculos. Num velho alfarrábio guardado na biblioteca do Templo, lê-se o seguinte:


  Na época do imperador Yung-Lo viveu um alto magistrado chamado Tsu. Era mandarim do sétimo grau. Em seu barrete de cetim ostentava a pena de pavão e o botão de jade conferido pelo Filho do Céu. Pertencia à Academia Floresta de Pincéis, onde só eram admitidos grandes letrados. Um dia ele foi chamado à corte. O soberano ordenou que ele reunisse especialistas e mandasse fundir um grande sino. Queria, ademais, que se juntasse cobre ao metal para que o som fosse poderoso; ferro para que fosse firme; ouro para que fosse profundo e prata para que ficasse puro e cristalino. E que depois o colocassem no centro de Pequim.
  Tsu saiu do palácio pensativo. Seu coração temia pela sorte dos operários, caso a encomenda real não ficasse perfeita. Há pouco, Yung-Lo estivera prestes a sacrificar dez mil homens inocentes. Isto, apenas porque alguém lhe disse que, se os enterrasse vivos ao pé da Grande Muralha em construção, ela se manteria firme dez mil anos. Cuidadosamente Tsu persuadiu o Imperador a sacrificar apenas um bezerro, cujo nome é Wan... que em chinês quer dizer dez mil.
  Após reunir os trabalhadores, Tsu começou os preparativos para fundir o grande sino. Levaram enormes vasilhas de cobre para o Vale das Águas Rodopiantes. Prepararam cuidadosas proporções dos metais destinados a formarem a liga. Trabalharam sem cessar durante muitos dias. Contudo, uma vez fundidos os metais, assim que os separaram do molde de areia, o resultado foi lamentável. Os metais tinham se sublevado uns contra os outros; o ouro tinha se aliado com o cobre, a prata tinha se negado a unir-se com o ferro. Foi preciso recomeçar tudo.
  Houve novo fracasso. Inteirado do que ocorria o soberano declarou que se não conseguissem fundir o sino, todos seriam decapitados.
  Naquela noite, Tsu regressou taciturno. A família procurou consolá-lo em vão. Sua filha Fênix de Ouro era quem mais sofria. Seu rosto cetinoso em forma de damasco cobriu-se de tristeza. Ingênua, boa e prendada, a jovem tinha um corpo frágil e delicado. Uma grossa trança negra entremeada de pérolas lhe caia pelas costas. Após breve hesitação, ela decidiu ir procurar um homem versado em artes mágicas. Logo ao amanhecer, saiu sorrateiramente e foi até a gruta imunda onde vivia o mago. Pagou-lhe bem e disse:
   - Diga-me, o que devo fazer?
  O mágico olhou os astros, examinou a Estrada Amarela do Zodíaco, consultou as vinte e oito constelações do Palácio da Lua. Afinal falou:
   - O ouro e o cobre jamais se casarão. A prata e o ferro não se abraçarão nunca para fundirem o grande sino. Contudo... há uma maneira de se conseguir isso...
   - E qual é? - indagou ela aflita.
  O rosto do velho tomou uma expressão dura e cruel. Inclinando-se, ele murmurou qualquer coisa no ouvido da jovem. Suas palavras eram formuladas numa atitude maldosa, como a de um demônio procurando negociar uma alma por meios que ele sabe serem irresistíveis. A magia havia lhe ensinado muitos processos de vencer a vontade alheia. Tomada de supersticiosa emoção, ela recuou com o coração opresso. Pálida como um lírio e mais bela que nunca, disse baixinho:
   - Sim... eu o farei...
  E erguendo-se saiu rapidamente.
  Chegando em casa não disse nada a ninguém. Viveu inquieta até o dia em que seu pai teria que fazer a nova tentativa. Na hora marcada Tsu vestiu-se e saiu. Uma rica liteira esperava-o à porta. Ele subiu, correu as cortinas de seda escarlate; e cules de rabichos soltos vestidos de algodão azul levaram-no num trote arquejante até o Vale das Águas Rodopiantes.
  Ao chegar, ele encaminhou-se para um lugar de onde avistava claramente o trabalho dos operários. A tarefa foi realizada em meio ao maior silêncio. Só se ouvia o crepitar do fogo. Este foi aumentando até se converter num espelho luzidio. Sereno, com as mãos enfiadas nas mangas da túnica de brocado verde, Tsu observava  tudo. Estava prestes a dar o sinal para que vertessem o metal fervente na grande forma, quando um grito o deteve:
   - Perdoa-me, pai, é para salvá-los!
  E Fênix de Ouro, arrastada por uma força sobrenatural, se precipitou no metal fervente. A lava rugiu ao recebê-la e saltou  num monstruoso jato. Formou um torvelinho multicor e logo uma leve fumaça. Acalmou-se aos poucos num ruído surdo.
  Houve consternação geral. Por mais que consideremos a vida e a morte como simples transformação da matéria, ficamos chocados com o regelar do sangue quente e a imobilização dos músculos vivos. Mais ainda quando a morte é tão trágica.
  Lívido de terror, o mandarim deu um grito, cambaleou e nada mais viu, senão que as forças o abandonaram, os ouvidos zumbiam e tudo girava em torno dele. Carregaram-no para casa.
  De longe, o mago contemplava a cena. Torceu as mãos esquálidas, soltou uma gargalhada satânica e murmurou:
   - Enfim... mais uma alma penada!
  Nisso, saindo dos bosques e dos pavilhões nobres, passou um bando de pombas brancas. Cada uma trazia, para as livrar das aves de rapina, um leve tubo de bambu que o ar fazia silvar. O velho voltou os olhos para o alto. Vendo naquelas aves o símbolo da pureza e da bondade, ergueu o punho fechado e amaldiçoou-as.
  Apesar da morte de Fênix de Ouro, o trabalho tinha que ser terminado. Os operários voltaram à tarefa. Não se via o menor sinal do corpo da moça. Realizou-se a fusão. E ante os olhos assombrados de todos, surgiu a forma perfeita do grande sino.
  Pouco depois tangeram o sino pela primeira vez. Seu som ressoava numa grande distância como o surdo troar das tempestades de verão. Quando calou sua voz possante, ouviram um gemido de mulher:
   - Ai!...
  Os operários entreolharam-se assustados. Um deles murmurou:
   - Será a alma de Fênix de Ouro?...


  Recordando tudo isso, o bonzo chegou ao umbral do Santuário da Purificação. Bateu na porta. E enquanto esperava, monologou:
   - Ouvi mais uma vez o gemido da infeliz moça que ainda sofre por ter abreviado a própria existência. Só o Pai Celeste pode dar ou tirar o dom da vida. Cada um de nós tem o seu papel a desempenhar no plano da evolução. Por isso não devemos tirar as pedras do caminho alheio. Caso contrário, evitaremos que os outros progridam espiritualmente através do sofrimento, pagando pecados de vidas anteriores. Quando Fênix de Ouro esgotar o seu Carma, ela será libertada. E isso, só os deuses podem prever... Que a sabedoria de Buda, penetrando-a, possa ajudar a evolução de sua alma!
  Com um suspiro, o bonzo desprendeu-se de suas divagações e entrou no santuário, fechando a porta atrás de si.

A Filha do Imperador de Jade

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Eis aqui um conto sobre uma lenda do Folclore Chinês, tirado do livro "Lendas do Celeste Império", da autora Chaing Sing (pseudônimo da escritora Glycia Modesta de Arroxellas Galvão).


O camponês foi até a porta da cabana e abriu-a. Apoiou-se num longo cajado de bambu para firmar os passos. Sua tez era macilenta como o couro velho. Os cabelos brancos formavam uma trança rala que lhe caía pelas costas. Usava uma cabaia azul e umas calças desbotadas pelo uso.
Olhou através da fria chuva outonal e viu a terra nua e desolada. Era uma lúgubre aldeia de campos negros. Ao longe uivavam manadas de lobos famintos. As últimas inundações tinham destruído a maioria das casas e as colheitas. O povo e os rebanhos morriam de fome e de peste. Desolado, Yang viu tudo aquilo sem saber o que fazer. Não tinha meios nem forças. Todos os seus parentes e amigos tinham partido para o país da relva. A vida para ele era como um peso a suportar.
Contudo, Yang sabia viver duas vezes as coisas que o faziam sonhar: a primeira quando era atingido por elas, a segunda quando o efeito já tinha passado. Voltou a pensar nos netos que antes aquietavam-se junto dele para ouvir velhos contos de fadas. E recordou os festejos de San Nin - o Ano-Novo, quando juntos queimavam incenso Saliva de Dragão no Templo dos Deuses da Cidade; os foguetes e as aves fantásticas de papel e bambu que as crianças da aldeia soltavam no céu e faziam revoar graciosamente, acionando-as com as mãozinhas. A alegria com que ele cortava galhos de pessegueiro para armar a árvore da felicidade. Colocar um galho da felicidade acima da porta principal da casa era um velho costume tradicional usado nas ocasiões festivas. E no galho de pessegueiro ele pendurava as vinte e uma coisas preciosas, entre as quais havia: uma carpa dourada, símbolo da coragem; uma rodinha de foguete, símbolo da Festa das Duas Estrelas; dois bonequinhos, que eram o deus da felicidade com um saco de pedras preciosas eternamente cheio e o deus da abundância; um cofrezinho, símbolo dos bons negócios; uma chavinha que abria todos os tesouros; um dado da boa sorte; uma pluminha branca simbolizando o manto da Princesa Cisne, que confere a invisibilidade em casos de perigo; contas de vidro, guizos, fitinhas vermelhas - a cor da alegria - moedas de papel dourado, símbolo da prosperidade, e tantas outras coisas!
Naquela época os campos eram fecundos. A cerejeira tinha frutos tão vermelhos e em tão grande quantidade que as árvores pareciam trajar mantos de púrpura. Os pêssegos e as laranjas eram como frutos de ouro. As colmeias instaladas no oco dos pinheiros eram tão fartas, que escorria mel pelos troncos.
Soltou um longo suspiro e velhas lágrimas voltaram a ser semente nos seus olhos. Sabia que as emoções não se parecem, mas o importante é estar emocionado. Conservou-se alheio e silencioso, cheio de sentimentos e pensamentos contraditórios. Haveria para além desta outra vida? Haveria depois da morte consolação para os que sofreram?
Estas perguntas o martirizavam sem cessar. Ergueu o olhar para o céu como faz um homem doente, nele cravando os olhos encovados. Suas pernas arquearam e largando o cajado ele se ajoelhou com a cabeça de encontro à terra úmida. Começou a orar com fervor. Sua prece era cheia de súplicas comoventes. As palavras elevaram-se pelo azul numa ascensão sublime, roçaram as nuvens, tocaram o sol, desenharam no ar apelos ardentes.
No Paraíso Ocidental, Kuan Yin, a filha do Imperador de Jade, cessou de tocar o alaúde. Inclinou-se sobre as nuvens e contemplou a Terra. Em toda parte viu fome e miséria. Comovida ante tanto sofrimento decidiu ajudar aquela pobre gente.
E quando Yang ergueu a cabeça, Kuan Yin estava diante dele. Flutuavam numa auréola de luz muito suave. Vaporosa túnica resplandecente a envolvia. O rosto lindo refletia bondade e mansidão infinitas.
   - Kuan Yin! - murmurou ele, estremecendo por se encontrar tão perto da divindade.
Sons dulcíssimos, não de palavras, mas de sentido compreensível, assim deram a perceber:
   -Yang, nós conduzimos dentro de nós o culto da divindade. E sempre que alguém reza com fé, tal como fizeste, um mensageiro divino atende o seu apelo de acordo com o merecimento de cada ser.
Perplexo, o velho contemplava a deusa luminosa e diáfana. De novo sentiu a comunicação telepática.
   - Seu nome já foi escrito no Livro da Vida e da Morte. Portanto, tranquiliza-te e ora. O pássaro da eternidade irá conduzir-te para onde deves ir!
E a visão foi empalidecendo até fundir-se no ar. Trêmulo de emoção, Yang continuou ajoelhado. Tinha a certeza de que nenhuma frustração é definitiva, há sempre um imprevisto apaziguante quando tudo aparece perdido.
Ergueu-se devagar e entrou na cabana. Animava-lhe o rosto uma esperança incontida num acontecimento venturoso.

Naquele fim de tarde, Kuan Yin percorreu a China de um extremo a outro. Era a época dos Reinos Combatentes. O Império do Meio estava mergulhado nos horrores da guerra. A deusa seguiu pensativa, flutuando pelos caminhos desertos. Alcançou uma floresta. Os troncos arrancados pela força da inundação do rio Amarelo jaziam trombados tristemente. Kuan Yin soltou um suspiro e olhou em volta. Seus olhos pousaram na plantinha do arroz. Era uma erva insignificante, com espigas vazias que antes nunca tiveram grão. Passava as horas ociosamente brincando com a brisa. Curvando-se, a deusa abriu a túnica luminosa e desnudou os seios fartos. Começou então a fluir o Leite da Vida que ela deixou cair gota a gota sobre as espigar estéreis. Porém, ao cabo de uns momentos, sentiu-se exausta e implorou aos Imortais que lhe enviassem umas gotas mais.
Deu-se o milagre: algumas gotas de seu divino sangue se misturaram ao leite. E as espigas ficaram cheias de grãos brancos como o Leite da Vida. Mas alguns eram vermelhos como o sangue de Kuan Yin. Então, a deusa pediu à planta que produzisse bastante alimento para o povo necessitado e voltou á morada celestial, contente com o bem que havia feito naquele dia..
Na manhã seguinte quando Yang abriu a porta ficou deslumbrado. Seu coração bateu descompassadamente.
   - Quê! Ser-me dado a mim, tão velho, ver este milagre!
Cada ruga do seu rosto começou a tremer e seus olhos encheram-se de lágrimas. A terra estava reflorida. Os pássaros cantavam. As borboletas evoluíam por entre os verdes rebentos dos bambus e o ouro dos crisântemos. Mais além, na terra coberta de água, viu a planta do arroz com as espigas cheias.
Yang teve a impressão de que estava cercado de uma atmosfera sobrenatural. De repente, sentiu que lhe pairava acima da cabeça um ser vivo. Ergueu os olhos e viu um cisne branco de grandes asas sedosas. Empurrado por uma força oculta, ele montou às costas do cisne. E a bela ave levou-o pelo espaço, subindo sempre. Ele sentiu-se leve, jovem outra vez. Constatou que a morte não era o fim de tudo, mas sim o começo de outra vida em outros mundos de paisagens inéditas. Vinham sons suavíssimos de muito longe. Era um canto semelhante a um murmúrio muito doce. Estava tão perto do coro celestial que pôde ver aparições radiosas. E, súbito, o cisne mergulhou em poças de ar azul, penetrando na amplidão sem fim...

Hoje em dia a pequena aldeia onde viveu Yang é uma povoação cheia de vida e movimento. Do velho lavrador não resta nem mesmo uma lembrança; mas em muitos lugares da China o incenso ainda continua sendo queimado diante da imagem de Kuan Yin, a mãe da misericórdia e do conhecimento.



Jenny Greenteeth: A Bruxa do Lago

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No folclore inglês, há uma lenda de uma bruxa que assombra os lagos e rios da Grã-Bretanha. Ela se esconde na água lamacenta e cheia de musgo á espera de uma vítima para capturar e devorar debaixo d'água.
Segundo a crença popular, Jenny Greenteeth tem a pele verde clara; cabelo negro escorrido; dedos longos e ossudos; unhas sujas e afiadas; e dentes afiados, podres e verdes.
Á primeira vista, parece ser apenas um monte de ervas escuras amontoadas na água, mas depois aparecem dois olhos amarelos, como os de um sapo, á sua espreita. Se não houver cuidado, ela vai se aproximando, cada vez mais próxima a você. Depois ela coloca seus longos dedos ossudos para fora da água, que te agarram e te levam para dentro d'água. Então ela te devora em meio á profundidade escura do lago.
Ela parece ser do tipo de lendas usadas para assustar crianças e evitar que se aproximem da margem das águas, como por exemplo a Rusalka, da Mitologia Eslava,  Kappa, na Mitologia Japonesa, ou Bunyip, na Mitologia Australiana. Porém alguns folcloristas a consideram uma memória da prática do sacrifício.


Há uma cantiga que diz:
"Venha para dentro d'água se banhar, querido
Venha nadar na piscina de redemoinhos
Abaixo nas profundezas com as pedras e os ossos
Você irá nadar comigo agora, seu tolo"

Seu nome varia conforme a região do país: em Lancashire é chamada de Jenny Greenteeth, em Cheshire e Shropshire de Ginny Greenteeth, Jeannie Greenteeth, Wicked Jenny, ou Peg O'Nell.

Na Irlanda, há uma variação da lenda na qual a chamam de "Bean-Fionn", que aparece como uma bela mulher vestida em um longo vestido branco, que ataca crianças e adultos imprudentes, os captura e afoga nas profundezas escuras dos lagos irlandeses.