A História de Tangalimlibo - Folclore da Tribo Xhosa, África do Sul

Author: Luiza / Marcadores: , , , ,


   Era uma vez um homem que tinha duas esposas. Com uma delas ele não tinha filho algum. Justo por isso, ela sofria muito.
   Um dia, um pássaro voou até ela e deu-lhe algumas pequenas pelotas. Disse que ela deveria comê-las, uma a uma, sempre antes de cada refeição, e que, depois disso, ela daria à luz uma criança.
   A mulher não cabia em si de contentamento, e ofereceu ao pássaro alguns grãos de milho-miúdo. Mas o pássaro recusou a oferta.
   A mulher, em seguida, lhe ofereceu sua isidanga, que é a faixa ornamental que as mulheres usam no peito, mas o pássaro disse que aquilo não teria nenhuma serventia para ele, e continuou sem aceitar nada. A mulher, então, pegou algumas pedrinhas, arrumou-as diante do pássaro, e ele, enfim, aproximou-se e pousou em suas mãos. Comeu e voou.
   Depois disso, a mulher teve uma filha. Seu marido não ficou sabendo nada do que havia acontecido, porque nunca ia à casa da esposa. Ele não a amava até então, pela simples razão de que ela  ainda não lhe tinha dado nenhum filho. Então, ela prometeu a si mesma:
   - Eu manterei minha filha dentro de casa até que meu marido tenha vindo aqui. Ele certamente me amará, quando descobrir que eu lhe dei uma criança tão bonita.
   E deu à filha o nome de Tangalimlibo.
   A mulher continuou com seus afazeres. O homem ia com frequência à casa de sua outra esposa e nunca vinha visitar a mãe de Tangalimlibo. O tempo foi passando e, quando ele viu a filha pela primeira vez, ela já era uma jovem mulher. Ele ficou muito contente e disse:
  - Minha querida esposa, você deveria ter-me contado antes!
   O que o homem não sabia é que a moça nunca tinha posto os pés fora de casa durante o dia. Somente à noite ela se aventurava a sair, quando as pessoas não podiam vê-la. Por isso o segredo durou tanto!
   O homem, depois de conhecer a filha, disse para sua esposa:
  - Você deve preparar muita cerveja e convidar muitas pessoas para comemorarem comigo essa maravilha que me aconteceu!
   A mulher concordou. Havia uma árvore grande em frente ao vilarejo e, no dia marcado para a festa, várias esteiras foram espalhadas sob ela. Aquele dia foi de muita felicidade e muita comemoração. Muitos homens vieram comemorar com eles, até o filho de um chefe, que se apaixonou por Tangalimlibo assim que a viu pela primeira vez.
   Quando o jovem filho do chefe voltou para casa, enviou uma mensagem ao pai de Tangalimlibo, dizendo que ele deveria mandar a filha para ser sua esposa. O homem contou a novidade para todos os amigos. Aproveitou para dizer-lhes também que estivessem prontos para em breve o ajudarem a conduzir a filha até o chefe. Só então chamou a filha e contou a ela a boa-nova.
   A festa do casamento foi verdadeiramente grande, e mataram muitos bois para as bodas. Tangalimlibo ganhou de seu pai um boi gordo e bonito. No auge da felicidade, ela deu seu próprio nome ao boi e ainda tirou um pedaço da sua própria roupa e deu ao boi para comê-la. Era um pacto!
   Tangalimlibo era muito amada por seu marido; e era ainda uma mulher linda e habilidosa. Algum tempo depois de casada, teve um filho, mas continuava com aquele problema de nunca sair de casa durante o dia, por isso passou a ser chamada Sihamba Ngenyanga, que quer dizer "aquela que caminha ao luar".
   Um belo dia, o marido de Tangalimlibo e os outros homens foram caçar bem longe. A esposa ficou na companhia do sogro, da sogra, e de uma menina que cuidava do bebê.
   O sogro começou a repara nos hábitos da moça e da casa, e acabou por comentar.
  - Por que ela não faz nada durante o dia?
   O sogro, então, inventou que estava sedento, e mandou a moça que cuidava do bebê dizer a Tangalimlibo que ele ia morrer de sede naquela casa se não lhe dessem água fresca.
   A mulher, imediatamente, enviou água ao seu sogro, mas ele derramou tudo no chão, dizendo:
  - Só bebo água do rio!
   Ela, então, disse:
  - Mas eu nunca me atrevo a ir ao rio durante o dia!
   O sogro continuou insistindo:
  - Assim eu vou morrer de sede!
   Tangalimlibo passou a mão na vasilha do leite, numa cabaça, e foi chorando até o rio. Quando ela mergulhou a cabaça na água, o pote escapuliu de sua mão. Rapidamente ela enfiou a vasilha do leite na água so rio, mas esta também escapou de suas mãos. Então, ela tentou pegar água com o manto e, desta vez, foi puxada para dentro d'água.
   A menina que cuidava do bebê, ao perceber que Tangalimlibo não voltava do rio, saiu à sua procura. Não teve êxito algum e voltou correndo e dizendo:
  - Não consegui encontrá-la! Eu sabia! Ela só estava acostumada a sair para buscar água de noite.
   O sogro de Tangalimlibo dirigiu os bois rapidamente para o rio. Pegou o grande boi de pertencia à nora- e que até tinha o mesmo nome dela - e matou-o. Foi então lançando as carnes e as partes do boi no rio, dizendo:
   - Leve isso em vez da minha criança. Leve isso em vez da minha criança.
   E uma voz, por fim, respondeu:
  - Vá até meu pai e minha mãe e diga a eles que fui levada pelo rio.
   Naquela mesma noite, o pequeno bebê de Tangalimlibo chorou desesperadamente. Seu pai ainda não tinha voltado para casa. Sua avó tentou de tudo para fazê-lo parar de chorar, mas nada deu resultado. Então, ela deu a crianças para a menina que cuidava dela, e a moça ficou segurando a criança nos braços. Como o bebê não calava a boca de jeito nenhum, a moça foi até a beirada do rio, embalando o menino, e cantando para ele:
  - "Ele chora, ele chora,
    O filho de Sihamba Ngenyanga;
    ele chora e não vai parar"

   Com isso, a mãe do menino saiu de dentro do rio e cantou, lamentando:


   "Ele chora, ele chora,

    o filho da andarilha do luar.
    Tudo foi planejado
    por aqueles que
    nem ouso nomear.
    Ainda era de dia.
    e ela foi obrigada a buscar água na bacia.
    Tentou com a vasilha do leite,
    que afundou.
    Tentou com a cabaça,
    que também afundou.
    Tentou mais uma vez, com seu manto, e este também afundou e a levou...
    Quanto pranto".

   Ao final de cada verso, ela repetia seu nome, como um coro:

   - A andarilha do luar... A andarilha do luar...
   E ao findar da cantoria, ela pegou seu próprio filho no colo e colocou-o para mamar.
   Quando a criança acabou de sugar e sugar, ela devolveu-o para a moça que cuidava dele, recomendando-lhe que levasse o menino para casa com o maior dos cuidados. Fez também a moça prometer que não contaria nada a ninguém, muito menos que ela tinha saído das águas. E ainda completou:
  - Se perguntarem como o menino matou a fome, diga que deu a ele alguns grãos...
   Isso se repetiu por muitos e muitos dias: todas as noites, a moça levava o menino até o rio, Tangalimlibo saía das águas, olhava ao redor, para certificar-se de que não havia mais ninguém por perto, amamentava seu próprio filho e dava sempre as mesmas ordens à moça.
   Muito tempo depois, o marido de Tangalimlibo, finalmente, voltou da caçada. Os pais contaram a ele que a esposa tinha ido ao rio e nunca mais tinha voltado. O homem pediu então para ver o filho, e a criada veio com a criança. Quando ele perguntou o que estavam dando para o menino comer, e contaram a ele que o menino se alimentava de grãos, ele disse:
   - Não pode ser! Tragam aqui esses grãos e deem a ele na minha frente, que eu quero ver...
   A moça foi buscar os grãos e fez o que seu patrão pedia. O menino não comeu um grão sequer. Então, o pai da criança exigiu que a moça contasse a verdade: as idas noturnas ao rio e os encontros com Tangalimlibo, que saía das águas para acariciar e dar de mamar a seu bebê.
   Emfim, eles combinaram uma maneira de salvar Tangalimlibo: quando ela saísse do rio para amamentar a criança, o marido, que estaria escondido entre os juncos, deveria agarrá-la e conduzi-la de volta para casa.
   Foi longa a espera e longos os preparativos. Na noite marcada, o homem pegou o couro de um boi, cortou uma longa tira e amarrou, cortou uma longa tira, deu para os homens da aldeia, que tinham ido junto para ajudar, caso fosse necessário, dizendo que deveriam segurar com força e puxar ainda mais , se sentissem algo arrastando-os na direção contrária. Feito isso, esconderam-se entre os juncos e esperaram.
   Tangalimlibo saiu das águas e olhou em volta, enquanto cantava sua música. Perguntou à moça se havia alguém mais por perto e, quando a moça disse que não, ela finalmente tomou seu filho nos braços.
   Imediatamente, o marido saltou em cima dela, e abraçou-a bem apertado. Ela tentou se soltar, mas os homens da aldeia puxaram a faixa com toda a força do mundo. E ela foi sendo puxada e arrastada, arrastada e puxada. Mas inexplicavelmente, o rio vinha junto, bem atrás da moça, e suas águas logo tingiram-se de vermelho-sangue.
   Quando finalmente chegaram perto da aldeia, os homens que estavam puxando a faixa viram a mulher, o rio, o sangue, e se assustaram. ENtão, soltaram a corda na mesma hora, e o rio regressou a seu lugar, levando Tangalimlibo com ele.
   Nesse momento, o esposo foi chamado por uma voz, que vinha das águas, dizendo:
  - Vá procurar meu pai e minha mãe e diga a eles que fui levada pelo rio.
   O marido, imediatamente, chamou seu boi mais veloz e deu a seguinte ordem:
  - Vá, meu boi veloz, vá. Leve essa mensagem par ao pai e para a mãe de Tangalimlibo!
   E disse ao boi o que ele deveria repetir quando chegasse lá. O boi se pôs a mugir muito alto e nem saiu do lugar. O homem então chamou seu cachorro e disse:
  - Vá você, meu cão fiel, vá. Leve esse recado para o pai e para a mãe de Tangalimlibo!
   E disse o que o cão deveria dizer. Mas o cachorro se pôs a latir desesperadamente e também nem se mexeu.
   Por fim, ele chamou o galo e disse:
  - Vá, meu galo cantador. Vá e leve o recado para o pai e a mãe de Tangalimlido.
   E o galo respondeu:
  - É o que farei meu mestre.
   E o patrão continuou:
  - Então me diga, o que você vai contar a eles?
   E o galo finalmente respondeu:
  - Eu cantarei assim:
   "Eu sou um galo que não pode ser morto,
   Galo-ê-aluê-aluê
   Eu vim por Tangalimlibo,
   Galo-ê-aluê-aluê
   Ela está morta,
   Galo-ê-aluê-aluê
   Ela mergulhou na água,
   Por quem, é bom nem falar,
   Galo-ê-aluê-aluê
   O boi vinha avisar, mugiu e não saiu do lugar,
   Galo-ê-aluê-aluê
   O cão vinha avisar, latiu e não saiu do lugar,
   Galo-ê-aluê-aluê
   Agora, então, sou eu quem vai contar!"
 
   O filho do chefe, satisfeito, disse:
  - Assim está bem, meu galinho, agora vá!
   E quando o galo estava seguindo seu caminho, foi visto por uns moços que estavam cuidando de uns bezerros.
   Um deles chamou os outros correndo e disse:
  - Venham logo, venham, meus amigos, olhem ali um galo para a nossa janta!
   Então o galo se sacudiu , se aprumou todo e cantou. Quando chegou ao fim da canção, os rapazes disseram, maliciosamente:
  - Cante novamente, nós ainda não escutamos bem!
   Então o galo cantou de novo:
    "Eu sou um galo que não pode ser morto,
   Galo-ê-aluê-aluê
   Eu vim por Tangalimlibo,
   Galo-ê-aluê-aluê
   Ela está morta,
   Galo-ê-aluê-aluê
   Ela mergulhou na água,
   Por quem, é bom nem falar,
   Galo-ê-aluê-aluê
   O boi vinha avisar, mugiu e não saiu do lugar,
   Galo-ê-aluê-aluê
   O cão vinha avisar, latiu e não saiu do lugar,
   Galo-ê-aluê-aluê
   Agora, então, sou eu quem vai contar!"

   Então os rapazes deixaram o galo seguir seu caminho.

   Ele andou muito desde que partiu da casa de seu dono, em busca da aldeia dos pais de Tangalimlibo. E passou por diversos lugares, onde viu muitos homens sentados nas vilas. Numa de suas paradas para descansar, alguns homens notaram a sua presença e perguntaram:
   - Mas de onde vem e para onde vai esse galo?
   E se atiraram em cima da ave.
   - Nós costumamos comer todos os galos que encontramos!
   E perseguiram-no sem sossego:
  - Venham, meninos, depressa! Vamos matá-lo!
   Mas o galo começou a cantar sua canção. E aí alguém disse:
  - Esperem, vamos ouvir o que ele tem a nos dizer!
   Ao final, eles pediram:
  - Cante novamente, nós não conseguimos ouvi-lo direito!
  O galo concordou, com uma condição:
  - Deem-me comida. Estou quase morto de fome!
   Os homens mandaram os meninos buscar um pouco de milho-miúdo e deram ao galo. Depois de comer e se fartar, ele cantou de novo sua canção.
   Foi o suficiente para os homens chegarem à conclusão:
  - Vamos deixar que ele siga seu caminho!
   Finalmente ele chegou à aldeia onde viviam os pais de Tangalimlibo e pôs-se a procurar a casa dos pais da moça. Quando a achou, transmitiu o recado, tal qual havia cantado todas as outras vezes.
   Os pais da moça sabiam exatamente o que deveriam fazer quando recebessem aquele recado em forma de canção. A mãe de Tangalimlido era uma mulher habilidosa e sabia usar os chás, as ervas, os remédios. Na mesma hora, e disse para seu marido:
  - Vamos até lá. Temos de levar conosco um boi gordo!
   Nem é preciso dizer que logo estavam todos à beira do rio, na aldeia em que Tangalimlibo vivia com seu marido. Eles finalmente mataram o boi gordo, e a mãe da moça preparou as ervas, enquanto os outros iam colocando a carne do boi dentro da água. Houve um grande tremor, o rio se abriu e, de dentro dele, saiu Tangalimlibo.
   E foi com imensa alegria que todos daquela aldeia receberam a moça de volta a seu lar.
   E agora, deixem o galinho contar! Pra lá e pra cá! Cocorocó!!!



        Sobre a Tribo Xhosa

   O povo Xhosa é um grupo étnico da África Austral. Vivem no sudeste da África do Sul, e nos dois últimos séculos, em todas as partes do sul e centro-sul do país. O povo Xhosa é dividido em várias tribos com heranças distintas, porém relacionadas. As principais tribos são o Mpondo, Mpondomise, Bomvana, Xesibe, e Thembu. Além disso, o Bhaca e Mfengu adotaram a língua Xhosa.  O nome “Xhosa” vem de um líder lendário chamado Uxhosa. Há também uma teoria que, antes disso, o nome xhosa veio de uma palavra que significa “forte” ou “irritado” em algumas línguas San. Os Xhosa referem a si mesmos como Amaxhosa, e à sua língua como Isixhosa. Atualmente, cerca de 8 milhões de indivíduos Xhosa estão distribuídos em todo o país, e a língua Xhosa é o segundo idioma mais falado da África do Sul, depois do Zulu, o qual está diretamente relacionado.






       Fonte: 

       SISTO, Celso. Mãe África: Mitos, Lendas, Fábulas e Contos. São Paulo: Editora Paulus, 2008.