Karna, o Moisés Indiano

Author: Luiza / Marcadores: , , ,



  Num passado distante, existia um rajá* de nome Pandu, monarca poderoso que reinava com firmeza e justiça.

   Pandu tinha duas esposas: Madri e Pritha. Ele amava Madri, mas Pritha era a sua primeira esposa e, assim sendo, sua rainha. Jovem de bom coração e reverente aos homens santos, Pritha tinha origem celestial. Era filha de uma ninfa e de um brâmane santificado. Fora adotada pelo rajá de Shurasena quando ainda era bebê. 

   Num dia de céu muito claro, chegou ao palácio de Pandu o grande rishi* Durvasas. A rainha, fervorosa aos homens santos, assumiu a responsabilidade de alimentá-lo e de manter acesa a chama do fogo sagrado na câmara sacrificial. Durvasas morou no palácio por um ano e, ao partir, em sinal de gratidão à rainha, compartilhou com ela um poderoso encantamento: um mantra capaz de levar ao amor a um ser celestial.

   Passado um tempo, Pritha teve a visão de Surya*, o deus do Sol. Diante dele, murmurou o mantra e ele, vestido como um rajá e usando brincos celestiais, veio ao seu encontro. Como previsto, os dois se apaixonaram e viveram um amor intenso. Este amor gerou um filho, uma criança de olhos de leão e ombros de touro que também possuía os brincos celestiais. Seu corpo era revestido por uma couraça invulnerável. 

   Pritha, presa à vergonha, escondeu o recém-nascido. Um dia, enrolou-o em mantas macias e, apoiando sua pequena cabeça sobre um delicado travesseiro, deitou-o numa cesta de vime recoberta com cera. Chorando amargamente, como choram todas as mães que sofrem, Pritha colocou a cesta sobre as água do rio e, olhando carinhosamente para o filho, disse:

  — Oh! Meu bebê! Que você seja protegido na terra, na água e no céu! Que você seja muito amado por aquele que o encontrar. Que Varuna*, deus das águas, o proteja e o afaste de todos os perigos. Que o seu pai, o Sol, possa lhe dar calor. Será abençoada aquela que o encontrar. Que ela possa cuidar de você, assim como as leoas cuidam de suas crias nas florestas do Himalaia. Quanto a mim, graças à sua couraça dourada, eu o encontrarei no futuro, onde quer que você esteja. 

   Pritha soltou a cesta na correnteza do rio Aswa e acompanhou o seu trajeto até que desaparecesse, confiante de que a criança sobrevivesse protegida pelas virtudes da couraça e dos brincos celestiais.



   O Aswa terminava no rio Jumna, afluente do Ganges, o rio sagrado que atravessa o país de Anga. Ali morava Rhada, mulher de rara beleza, e Shatananda, seu marido cocheiro. O casal, há muito tempo, sofria porque os céus não lhe davam um filho. Mal sabiam que a boa nova estava a caminho. 

   Passeando nas margens do rio, foi Rhada quem viu uma cesta flutuando. Com a ajuda de uma vara, puxou-a e conseguiu recolhê-la. Ao abri-la, viu a criança dormindo placidamente, e o seu coração transbordou de alegria. 

   — Os deuses, enfim, ouviram meus apelos e me enviaram um filho! — gritou.

   Rhada adotou e cuidou do bebê. Os anos se passaram, Karna tornou-se um poderoso arqueiro e partiu de Anga a caminho de Hastinapur, capital do reino. Sua missão era enfrentar Arjuna, o mais famoso e habilidoso guerreiro da época.

   Karna e Arjuna eram irmãos, mas eles não sabiam. E a grande disputa entre os dois percorreu mundos e tornou-se famosa. Porém essa é outra história, narrada na famosa escritura épica indiana conhecida como Mahabharata.


   


    Glossário:


   Rajá: do Sânscrito, príncipe ou rei da Índia.

   Rishi: do Sânscrito, sábio santo ou iluminado, vidente.

   Surya: o deus sol adorado nos Vedas (escrituras antigas em sânscrito do período Védico). 

  Varuna: do Sânscrito, deus da água ou deus marinho, sustenta o céu e a terra e mora em todos os mundos.

   Anga: antigo reino indiano da região oriental do subcontinente.



   Fonte:


   FORJAS, Sonia Salerno. A princesa que enganou a morte e outros contos: Contos Mágicos Indianos. DeLeitura. São Paulo. Editora Aquariana LTDA. 2009.