O padre sem cabeça - Folclore Peruano

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Há muito tempo, habitava na imaginação do povo do distrito de Tambo, na província de Islay, a história de um sacerdote que em vida era extremamente mesquinho, e que após sua morte, foi condenado a pagar por seus atos. Dizem que costumava aparecer à meia-noite, junto ao altar maior da capela, onde em vida havia sido capelão. Porém, sua aparição era sempre sem cabeça. 


  As pessoas que passavam em frente à capela à meia noite, sempre encontravam as luzes acesas, e por curiosidade, iam espiar para ver o que acontecia lá dentro àquela hora, e se horrorizavam ao ver a figura de um padre sem cabeça.


  Contam que um dia, depois das devidas cerimônias, os fiéis foram embora e fecharam as portas da capela; um jovem que estava adormecido, acabou sendo trancado dentro do recinto, e quando acordou, se espantou com a situação: trancado dentro da capela, com várias velas acesas. Começou a chamar por ajuda a gritos e golpes na porta, mas em vão, devido ao horário da noite.


  Levou um tremendo susto ao de repente ver uma figura à sua frente: um padre sem cabeça! Suas pernas fraquejaram, e quando estava quase a ponto de desmaiar, o padre lhe fez um sinal, chamando-o. E escutou uma voz, dizendo para se aproximar, que não temesse, que ele só queria rezar uma missa e que para isso precisava de alguém que o escutasse; e lhe rogava para que fosse seu ouvinte. 


  Emudecido de pavor, o jovem não teve escolha e se pôs de joelhos.O padre rezou a missa. Apagaram-se as luzes. E desapareceu para sempre esse fantasma que habitava a capela. O jovem saiu disparado até a porta, e ao perceber que permanecia trancada, caiu no chão e desmaiou. 



"El cura sín cabeza". Arte por Esther Barreto.



  Fonte:


  ARGUEDAS, José María; RÍOS, Francisco Izquierdo. Mitos, Leyendas y Cuentos Peruanos. Ministério de Educación Pública Peruana: Colección Escolar Peruana Vol. 4.,1947.

Mayoibune - Folclore Japonês

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Mayoibune são um tipo de Funayūrei da prefeitura de Fukuoka. Tipos parecidos de navios fantasma são encontrados por toda a costa do Japão, conhecidos como yūreibune (navio fantasma), mōjabune (navio dos mortos), e yoiyoibune (barco “Remar! Remar!”).


  O vento noroeste que acompanha os Mayoibune é chamado de tamakaze. O tamakaze normalmente só sopra pelo Mar do Japão no inverno. É perigoso para pescadores devido às fortes rajadas e à chuvarada que traz consigo. Também é dito que traz consigo a alma dos mortos. Essas almas perdidas vagam pelo mar, nunca podendo alcançar o reino dos mortos.


  No antigo calendário lunar japonês, a lua cheia cai em toda noite do 15º dia de cada mês - a noite mais iluminada, por isso a melhor para pescar e caçar. Porém, durante o feriado Obon, que é no dia 15, os mortos voltam do Além para visitar os vivos. Antigamente era proibido trabalhar no mar durante essa noite; era dito aos pescadores para que voltassem às suas casas após o cair da noite para ficarem com suas famílias. De acordo com a superstição, coisas ruins acontecem com aqueles que quebram esse tabu. Encontrar um Mayoibune é apenas um dos exemplos.


  Há muito tempo atrás, quatro jovens rapazes de Hatsu, Fukuoka, foram pescar na noite do 15º dia durante o Obon. Normalmente, os pescadores tiram este dia de folga, como feriado, mas os quatro jovens não davam importância à superstição. Eles tinham as águas só para eles, e pescaram uma boa quantidade de peixe cavala. Mas enquanto eles pescavam, cabeças decepadas começaram a aparecer flutuando pela superfície da água. As cabeças rolavam, batendo uma nas outras e rindo. Os pescadores ficaram aterrorizados. Puxaram suas redes e começaram a navegar de volta para casa. Foi quando perceberam que toda a sua pesca não era peixe cavala, e sim sandálias de palha! Os jovens voltaram para casa, mas não puderam esquecer o terror daquela noite. Um por um, eles foram enlouquecendo e morrendo.





  Fonte: 


  MAYOIBUNE. Yokai, 2022. Disponível em: <https://yokai.com/mayoibune/>. Acesso em 7 de maio de 2022.


  OBON. Japan Guide, 2022. Disponível em: <https://www.japan-guide.com/e/e2286.html>. Acesso em 7 de maio de 2022.


Origens da Celebração do Natal

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      A origem do Natal vem de dois feriados pagãos: o feriado Escandinavo Yule (Ciclo do Ano) e o feriado Romano Saturnália. O Yule também é relacionado às danças de roda, que simbolizavam a predição universal do mundo, onde o finito e o infinito agiam como um todo.

   Sabbaths são feriados que representam os 8 ciclos do ano, eles são: Yule, Imbolc, Ostara, Beltane, Litha, Lammas, Mabon e Samhain, que fazem parte do calendário Celta graças aos antigos noruegueses. O Yule é um dos mais antigos entre eles, um feriado de fogo que representa o calor, celebrado durante o solstício de inverno, e apesar de cair no dia mais curto do ano, e de o sol estar em seu ponto mais baixo, marca a Festa da Luz, representando o princípio de um novo ciclo, tornando mais aparente a juventude e a força do Sol.


   

O Yule


 Altnordisches Julfest - Ferdinand Lindner (1880)


O Yule era celebrado a partir do dia 21 de dezembro (A Noite Materna)  até o dia 1 de janeiro (Noite do Yule), que corresponde aos 12 dias de Natal, e terminava com a queima de toras de madeira.

   Os Escandinavos disseminaram suas crenças entre os povos Celtas. As casas eram decoradas com hera ou coroas de visco, velas eram acendidas para enchê-las de luz e festas eram dadas para celebrar o nascimento do novo Sol. O prato ritualístico das festas era cabeça de javali, apenas os mais virtuosos eram permitidos cortar a cabeça sagrada. Após a refeição, as pessoas saíam de casa com tochas nas mãos, acendiam uma fogueira, e dançavam em roda de mãos dadas ao som de gaitas-de-fole. 

   O visco era uma planta de extrema importância na mitologia celta e escandinava. É uma das poucas plantas que nascem nos meses frios de inverno na região que hoje é a Grã-Bretanha. Até 200 anos antes do nascimento de Cristo, os Druidas tinham o visco como uma planta sagrada, e era um atributo essencial para o ciclo dos feriados de inverno. Os Celtas acreditavam que o visco tinha poderes mágicos de cura e o usavam como defesa contra os maus espíritos. O visco perene era para os Celtas um símbolo de vida e renascimento, um protótipo do que hoje em dia temos como árvore de Natal. Os Romanos tinham o visco como um símbolo de paz e amizade. De acordo com a lenda, os inimigos que se encontravam debaixo de um visgo logo faziam as pazes. 

   Uma das características da celebração do Yule era a queima de madeira, costume que foi aos poucos se disseminando pela Europa. Cada país usava um tipo específico de madeira: na Inglaterra, o carvalho; na Escócia, bétula; na França, a cerejeira; nos países Escandinavos, o freixo, árvore que simboliza a Vida. As cinzas da madeira queimada eram frequentemente jogadas nos tetos das casas.

   Os escoceses, que durante muitos anos estiveram sob o domínio dos vikings, herdaram o costume de queimar uma grande tora de madeira no dia do Solstício de Inverno por conta da influência escandinava. Outro costume antigo escocês tinha relação com o culto ao fogo: os convidados iam até a residência do anfitrião e jogavam um pedaço de carvão na lareira e desejavam que o fogo, símbolo de vida e prosperidade, nunca abandonasse aquela casa. Em alguns lugares da Escócia, eram deixados sob a mesa talheres, queijo e pão como oferenda para a deusa pagã Yola.



O Saturnália


Saturnalia, Antoine Callet (1783)


   As tradições que compõem o feriado da deusa Yola são similares às tradições de um antigo feriado romano: o Saturnalia, culto ao deus Saturno, um dos deuses supremos da mitologia Romana, que corresponde ao deus Chronos (em grego, Χρόνος, que significa “tempo”) na mitologia Grega.

   Hesíodo, um antigo poeta grego, escreveu que o Caos é o pai do tempo. Antes da chegada do tempo, o espaço começou a ascender. O ano velho morria, tornando-se passado perante nossos olhos. Do caos do ano passado, um ano novo nasceu, e junto com ele uma nova ordem.

   O festival de Saturnália durava do dia 17 ao dia 25 de dezembro. Os povos pagãos acreditavam que entre os últimos dias do último mês do ano era a data do nascimento do Sol, e da derrota das trevas. Na Roma Antiga, o festival de Saturnália era celebrado como uma grande festa de carnaval, banquetes e danças. Casas e igrejas eram decoradas com azevinho, louro, alecrim, hera, e às vezes visco, que era difícil de ser achado na região. Pessoas mais ricas presenteavam as mais pobres em memória da era dourada da liberdade e justiça, quando o deus Saturno governava o mundo. Era comemorado com muita bebedeira e devassidão, simbolizando a completa decomposição de espiritualidade e moralidade na véspera do nascimento do Novo e invencível Sol. O festival de Saturnália se espalhou por vários países da Europa, inclusive a Inglaterra.


Como virou uma festa cristã


   Na medida em que o cristianismo se estabelecia na Europa, líderes da igreja Católica tentavam abolir as tradições pagãs, porém é interessante notar que nos antigos sermões católicos, Jesus Cristo era chamado de “Sol da Verdade”, ou “Sol da Justiça”, o que indiretamente indica que nos primórdios do catolicismo as igrejas ainda estavam conectadas aos costumes que seus próprios líderes diziam “pagãos”.

   A igreja católica se opunha aos ritos pagãos, tão fortemente enraizados na cultura europeia. Após séculos de prática dessas tradições, era impossível se livrar delas, portanto, por volta do século IX a igreja “adaptou” os festivais de Yule e Saturnalia para o que hoje em dia chamamos de Natal, dando simbolismos cristãos às práticas pagãs.





Fonte:


ALLA VICTOROVNA, Sokolova. Christmas Traditions Through the Prism of Paganism and Christianity. European Journal of Humanities and Social Sciences. Viena, 2020. Disponível em: <European-Journal-of-Humanities-and-Social-Sciences.pdf (researchgate.net)> . Acesso em 21 de dezembro de 2021.


Barba Ruiva - Folclore Brasileiro

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Imagem produzida pelo Instituto Oswaldo Cruz, Piauí, 1912

 Aqui está a Lagoa de Parnaguá, limpa como um espelho e bonita como noiva enfeitada.

  Espraia-se por quinze quilômetros por cinco de largura, mas não era, tempo antigo, assim grande, poderosa como um braço de mar. Cresceu por encanto, cobrindo mato e caminho, por causa do pecado dos homens. 

  Nas Salinas, ponta leste do povoado de Parnaguá, vivia uma viúva com três filhas. O rio Fundo caía numa lagoa pequena no meio da várzea.

  Um dia, não se sabe como, a mais moça das filhas da viúva adoeceu e ninguém atinava com a moléstia. Ficou triste de pensativa. 

  Estava esperando menino e o namorado morrera sem ter ocasião de levar a moça ao altar.

  Chegando o tempo, descansou a moça nos matos e, querendo esconder a vergonha, deitou o filhinho num tacho de cobre e sacudiu-o dentro da lagoa. 

  O tacho desceu e subiu logo, trazido por uma Mãe d’Água, tremendo de raiva na sua beleza feiticeira. Amaldiçoou a moça que chorava e mergulhou.


Ilustração por Jô Oliveira

  As águas foram crescendo, subindo e correndo, numa enchente sem fim, dia e noite, alagando, encharcando, atolando, aumentando sem cessar, cumprindo uma ordem misteriosa. Tomou toda a várzea, passando por cima das carnaubeiras e buritis, dando onda como maré de enchente na lua. 

  Ficou a lagoa encantada, cheia de luzes e de vozes. Ninguém podia morar na beira porque, a noite inteira, subia do fundo d’água um choro de criança, como se chamasse a mãe para amamentar. 

  Ano vai e ano vem, o choro parou e, vez por outra, aparecia um homem moço, airoso, muito claro, menino de manhã, com barbas ruivas ao meio dia e barbado de branco ao anoitecer.

  Muita gente o viu e tem visto. Foge dos homens e procura as mulheres que vão bater roupa. Agarra-as só para abraçar e beijar. Depois, corre e pula na lagoa, desaparecendo.

  Nenhuma mulher bate roupa e toma banho sozinha, com medo do Barba Ruiva. Homem de respeito, doutor formado, tem encontrado o Filho-da-Mãe-D’água, e perde o uso de razão, horas e horas.

  Mas o Barba-Ruiva não ofende a ninguém. Corre sua sina nas águas da lagoa de Parnaguá, perseguindo mulheres e fugindo dos homens.

  Um dia desencantará, se uma mulher atirar na cabeça dele água benta e um rosário indulgenciado. Barba-Ruiva é pagão, e deixa de ser encantado sendo cristão.

  Mas não nasceu ainda essa mulher valente para desencantar o Barba-Ruiva.

  Por isso ele cumpre sua sina nas águas claras da lagoa de Parnaguá.


  




   Fonte:


  CASCUDO, Luís da Câmara. Lendas Brasileiras para Jovens. São Paulo: Global Editora, 2015.

Os Quarenta Tesouros - Conto Persa

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Uma vez, na cidade real de Isfahan*, vivia um jovem chamado Ahmed, que tinha uma esposa chamada Jamell. Ele não sabia nenhum tipo de técnica e não possuía nenhuma habilidade, mas ele tinha uma pá e uma picareta - e assim como ele sempre dizia à sua esposa: “se você puder cavar buracos, você sempre pode ganhar o bastante para sobreviver”. 

  Isso era o bastante para Ahmed, mas não era o bastante para Jamell.

  Uma vez, assim como sempre fazia, Jamell foi a casa de banho da cidade para banhar-se na piscina quente e conversar com outras mulheres. Mas na entrada, a recepcionista lhe disse: “você não pode entrar agora, a esposa do vidente real do Rei reservou o lugar todo só para ela”. 

  “Quem ela pensa que é?!”, protestou Jamell. “Só porque o marido dela prevê o futuro!”. Mas tudo o que ela pode fazer foi voltar para casa furiosa.

  Naquela noite, quando Ahmed foi lhe entregar seus ganhos do dia, ela disse: “olhe só para essa mixaria! Não posso mais suportar esta situação. Amanhã, você se sentará em meio a feira e vai ser um vidente!”. 

  “Jamell, você está louca?” perguntou Ahmed. “Eu não sei nada sobre prever o futuro!”.

  “Você não precisa saber de nada”, disse Jamell. “Quando qualquer um vier lhe perguntar algo, você apenas joga os dados e murmura alguma coisa que soe inteligente. É isso, ou eu vou embora para a casa do meu pai!”.


  Então, no dia seguinte, Ahmed vendeu sua pá e sua picareta, comprou dados, uma tábua, um robe de vidente, e sentou-se em meio a feira, ao lado da casa de banho.

  Mal havia ele acabado de se estabelecer no local e já vinha correndo para ele a esposa de um dos ministros do Rei.

  “Vidente, você precisa me ajudar! Eu estava usando o meu anel mais precioso para vir ao banho hoje, e agora eu o perdi! Por favor, diga-me onde está!”.



  Ahmed engoliu seco e jogou os dados. Enquanto ele pensava desesperadamente em algo inteligente para dizer, ele acabou por observar as vestes da mulher. Percebeu que tinha uma pequena fenda, e por ela dava-se para ver parte de seu braço. 

  No Oriente Médio daquela época, aquilo era considerado impróprio para uma mulher respeitável, então Ahmed se inclinou para frente e sussurrou discreta e urgentemente: “senhora, eu vejo uma fenda”.

  “O quê?”, perguntou a mulher, se inclinando para frente.

  “Uma fenda! Uma fenda”.

  A mulher então entendeu. “Claro! Uma fenda!”.

  Ela correu de volta para a casa de banho e encontrou a fenda na parede na qual ela havia escondido seu anel para mantê-lo protegido e o esqueceu. Então ela voltou para onde estava Ahmed.

  “Deus seja louvado!”, disse ela. “Você sabia exatamente onde ele estava!”. E para a surpresa de Ahmed, ela lhe deu uma moeda de ouro.

  Naquela noite, quando Jamell viu a moeda e ouviu a história, disse: “Viu? É simples!”

  “Deus foi misericordioso hoje!”, disse Ahmed, “mas não ouso testá-lo outra vez!”.

  “Bobagem!”, disse Jamell. “Se você quer continuar casado, você voltará à feira amanhã”.


  Acontece que naquela mesma noite, os tesouros do palácio do Rei foram roubados. Quarenta pares de mãos roubaram quarenta baús de ouro e jóias.

  O roubo foi relatado para o Rei na manhã seguinte. “Tragam-me o vidente Real e seus assistentes”, comandou o Rei.

  Porém, por mais que o vidente e seus assistente jogassem os dados e murmurassem palavras sábias, nenhum deles pôde localizar nem o tesouro e nem os ladrões.

  “Fraudes!”, gritou o Rei, “joguem todos na cadeia!”.

  O Rei havia então ouvido falar sobre o vidente que recuperou o anel da esposa de um de seus ministros, por isso enviou para a feira dois guardas com a ordem de trazer Ahmed, que apareceu tremendo em seu palácio.

  “Vidente”, disse o Rei, “40 baús contendo o meu tesouro foram roubados. O que você pode me dizer a respeito dos ladrões?”.

  Ahmed pensou rapidamente sobre 40 baús sendo levados embora. “Sua Majestade, eu posso dizer-lhe que foram… 40 ladrões.”

  “Incrível!”, disse o Rei, “nenhum dos meus adivinhos sabia tanto! Mas agora você precisa encontrar os ladrões e o tesouro.”

  Ahmed sentiu que iria desmaiar. “Farei o meu melhor, Sua Majestade, mas… mas, vai levar algum tempo”.

  “Quanto tempo?”, perguntou o Rei.

  “Hmm, 40 dias, Sua Majestade”, disse Ahmed, pensando o máximo que conseguia. “Um dia para cada ladrão”.

  “Bastante tempo!”, disse o Rei. “Pois bem, então você terá 40 dias. Se conseguir, eu o farei rico. Se não, você apodrecerá com os outros na prisão!”.


  De volta em casa, Ahmed disse a Jamell: “vê o problema que você nos causou? Em quarenta dias, o Rei irá me prender!”

  “Bobagem!”, disse Jamell. “Apenas encontre os ladrões assim como encontrou o anel.”

  “Eu já te disse, Jamell, eu não encontrei nada! Aquilo foi apenas pela graça de Deus, mas desta vez não há esperança!”.

  Ahmed trouxe algumas tâmaras secas, contou quarenta, e as colocou em um jarro. “Vou comer uma dessas tâmaras a cada noite, pois isso me dirá quando os meus quarenta dias acabarão.”


  Acontece que um dos empregados do Rei era um dos ladrões, e ele havia ouvido o Rei conversar com Ahmed. Naquela mesma noite, ele correu para o local de encontro dos ladrões e contou tudo para o chefe do bando. “Há um vidente que diz que vai encontrar os tesouros e os ladrões em quarenta dias!”

  “Ele está blefando!”, disse o chefe. “Mas não podemos pagar pra ver. Vá para a casa dele e veja o que pode descobrir.”

  Então o empregado escalou a casa de Ahmed e subiu até o terraço, no telhado plano, e ficou à escuta ao lado da escada que dava para o andar de baixo. No mesmo instante, Ahmed pegou uma tâmara do jarro e comeu. Ele disse à Jamell: “Este é um.”

  O empregado ficou tão chocado que quase caiu escada abaixo. Ele correu de volta para o local de encontro dos ladrões e disse ao chefe: “esse vidente tem poderes magníficos! Sem ao menos me ver ele sabia que eu estava no telhado! Eu o ouvi dizer claramente ‘este é um’.”

  “Deve ser apenas a sua imaginação”, disse o chefe. “Amanhã à noite dois de vocês irão lá.”


  Então, na noite seguinte o empregado retornou a casa de Ahmed junto com um dos outros ladrões. Ao se posicionar ao lado da escada, Ahmed comeu a segunda tâmara e disse: “agora são dois”.

  Os ladrões quase tropeçaram um no outro ao descer do telhado e correr de volta para o local de encontro dos ladrões. “Ele sabia que havia dois de nós!”, disse o empregado. "Nós o escutamos dizer ‘agora são dois’!”.

  “Não pode ser!”, disse o chefe. Então na noite seguinte, ele mandou três dos ladrões, e na próxima noite quatro, depois cinco, depois seis.

  E assim foi até a quadragésima noite, quando o chefe disse, “desta vez, eu mesmo vou com vocês”. Então todos os quarenta ladrões escalaram o telhado de Ahmed para ficar à escuta.


  Dentro da casa, Ahmed olhou tristemente para a última tâmara do jarro, a pegou e comeu. “São quarenta. Agora o número está completo”. (Ahmed se referia ao número de dias que correspondiam ao número de tâmaras, mas claro, disso os ladrões não sabiam).

  Jamell sentou-se ao seu lado e gentilmente pegou sua mão. “Ahmed, durante estes quarenta dias, eu tenho pensado. Eu estava errada em fazer você ser um vidente. Você é o que é, e eu não deveria ter tentado fazer você ser o que não é. Você pode me perdoar?”.

  “Eu te perdoo, Jamell, mas a culpa é minha também. Eu não deveria ter feito o que eu sabia que não era certo. Mas nada disso pode nos ajudar agora.”

  No mesmo instante houveram batidas estrondosas na porta.


  Ahmed suspirou. “Devem ser os guardas do Rei!”. Ele foi até a porta, a destrancou e disse: “Tudo bem, tudo bem. Eu sei o porquê vocês estão aqui”.

  Porém, quando ele abriu a porta, para sua surpresa, encontrou quarenta homens ajoelhados diante dele, tocando o chão com a cabeça repetidamente.

  “É claro que você sabe, ó grande vidente!”, disse o chefe. “Nada pode ser escondido de ti. Mas nós imploramos para que não nos entregue!”.

  Perplexo como estava, Ahmed percebeu que aqueles deveriam ser os ladrões. Pensou rápido e disse: “muito bem, eu não vou entregar vocês. Mas vocês devem devolver todos os itens do tesouro”. 

  “Neste instante, neste instante!”, jurou o chefe dos ladrões.

   E antes do fim da noite, quarenta pares de mãos levaram quarenta baús de ouro e jóias de volta para a tesouraria do Rei.


  Bem cedo na manhã seguinte, Ahmed apareceu perante o Rei. “Sua Majestade, minha mágica só consegue encontrar ou o tesouro ou os ladrões, mas não ambos. Qual você escolhe?”. 

  “O tesouro, eu acho…”, disse o Rei, “porém é uma pena que os ladrões não possam ser encontrados. O óleo fervente está todo pronto esperando por eles. Bem, não importa. Diga-me onde está o tesouro, e eu mandarei os meus homens para buscá-lo.”

   “Não será preciso, Sua Majestade”. Ahmed balançou os braços pelo ar e disse: “Pish posh, wish wosh, mish mosh”. Então disse, “pela minha magia, o tesouro retornou ao seu devido lugar”. 

  O próprio Rei foi com Ahmed até a tesouraria e lá estava o tesouro. “Você realmente é o melhor vidente desta era!”, declarou o Rei. “Deste dia em diante, você será o meu Vidente Real!”. 

  “Obrigado, Sua Majestade”, disse Ahmed com uma reverência, “mas temo que seja impossível. Achar e restaurar o seu tesouro foi tão difícil que esgotou todos os meus poderes. Eu posso nunca mais ser um vidente outra vez.”

  “Que lástima!”, lamentou o Rei. “Então eu devo duplicar sua recompensa. Aqui, leve estes dois baús de tesouro para você”.

  Então Ahmed retornou para casa e para Jamell, a salvo, rico, e sendo um ótimo negociador. E assim como qualquer vidente poderia prever, foram felizes para sempre. 




  

*Isfahan foi declarada a capital do Irã no ano de 1598 pelo Shah Abbas o Grande, e permaneceu com este nome durante um século. Sob o poder de Abbas, a cidade se tornou conhecida como uma das mais bonitas do mundo, e se tornou o maior centro internacional de comércio e artes. Este período é considerado a Era de Ouro da cultura Persa. Pérsia é o antigo nome da região que hoje é o Irã.

  



   Fonte: SHEPARD, Aaron. Forty Fortunes: A Tale of Iran. Nova York: Clarion Books, 1999.

Elfos: Suas Origens e Características

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Arte por Brian Froud

Elfos têm sido durante muitos anos um tema bem popular entre obras de fantasia e ficção. Desde a obra “Um Sonho de uma Noite de Verão”, do dramaturgo William Shakespeare, até os clássicos romances de fantasia de J. R. R. Tolkien 300 anos depois.

  Assim como as fadas, os elfos são frequentemente caracterizados como pequenas criaturinhas metamórficas, conhecidas por pregar peças e fazer travessuras. Acredita-se que habitavam em reinos secretos nas florestas, nos campos, ou em troncos de árvore ocos.

  Em filmes e séries contemporâneas, os elfos são representados como belas criaturas sempre dispostas a ajudar as pessoas em tempos de necessidade. Porém, as características dos elfos segundo as lendas antigas mostram uma forma bem mais hostil em relação aos humanos. Frequentemente, os elfos ludibriavam os humanos levando-os à morte. 


  Os Elfos Arthurianos

  Nas lendas Arthurianas, o mago Merlin uma vez se apaixonou por uma elfa. Na verdade, ela usou seus encantos para seduzir Merlin e atraí-lo até uma floresta, para então prendê-lo e matá-lo. Foi uma questão de sorte que Merlin conseguiu se desvencilhar do encanto de sua beleza e escapar com vida.

Merlin e Nimue, 1893-1894, por Aubrey Beardsley

  Às vezes os conceitos de “fadas” e “elfos” são considerados os mesmos, porém por mais que ambas as criaturas tenham características semelhantes, o que os diferencia são os locais de origem de suas lendas. As lendas das fadas tem origem na mitologia Anglo-Saxã, tanto que há versões de histórias da Távola Redonda em que o próprio Rei Arthur é filho de uma fada. Segundo as crenças antigas, as fadas são associadas às flores, e suas asas lembram as de borboletas e libélulas. Já os elfos são associados às árvores, e têm origem na mitologia Nórdica.

  Segundo as histórias da Távola Redonda, acreditava-se que Arthur era metade fada, e Merlin era metade elfo. Elfos da era Medieval apresentavam algumas características das ninfas da mitologia Grega. A elfa do conto “Ojos Verdes” de 1861, do romancista espanhol Gustavo Adolfo Bécquer, lembra muito as ninfas d’água da mitologia Grega, por atrair um garoto humano até um lago e afogá-lo. 


   Os Elfos da Mitologia Nórdica

  As lendas mais antigas sobre elfos vêm da mitologia Nórdica, onde há os elfos da luz, e os elfos da escuridão. Elfos de luz eram estimados e apreciados pelo deus Odin. Algumas lendas dizem que a aparência dos elfos estava ligada às mudanças das estações da natureza. Elfos eram conhecidos por suas orelhas pontudas, que lhes garantia uma excelente audição. Eram em sua maioria imortais, mas poderiam morrer se sua árvore de carvalho fosse cortada. Elfos de luz, ou Ljosalfar, como os nórdicos costumavam chamá-los, eram divinamente belos e habitavam o belo mundo de Álfheimr, que faz parte da árvore Yggdrasil, conhecida como eixo do mundo.

  Elfos da escuridão, ou Dokkalfar, eram conhecidos por serem bem feios, e habitavam o mundo de Niflheim. Por mais que os elfos da escuridão fossem naturalmente maus, os elfos de luz também não eram especificamente amigáveis com os humanos, pois os consideravam criaturas inferiores. 

Älvalek, 1866, por August Malmström. 150 x 90cm. Óleo sobre tela.

   Atualmente, é comum ver na televisão e nos filmes natalinos elfos alegres e simpáticos ajudando o Papai Noel no Polo Norte, fabricando e levando brinquedos para crianças humanas. Por mais que essa imagem dos elfos seja predominante nos tempos de hoje, não podemos nos esquecer de que no passado os elfos eram conhecidos por amaldiçoar humanos, deixá-los loucos e sequestrar crianças. Essas coisas aconteciam especialmente quando algum humano se intrometia na vida dos elfos, perturbando-os. A vingança e a retaliação dos elfos era motivo de grande temor. 


Arte por Brian Froud



    Fonte:

 RORIC, Valda. Revealing the True Nature of Elves: Dangerous Beauties and Diabolical Fiends. Ancient Origins, 18 de dezembro de 2015. Disponível em: <https://www.ancient-origins.net/myths-legends/revealing-true-nature-elves-dangerous-beauties-and-diabolical-fiends-004978>. Acesso em 10 de julho de 2020.

 RADFORD, Benjamin. A History of Elves. Live Science, 1 de novembro de 2017. Disponível em <https://www.livescience.com/39689-history-of-elves.html>. Acesso em 10 de julho de 2020.

Hantu KumKum - Folclore Malaio

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Arte por Dian Permatasari

Hantu KumKum é um fantasma da Malásia, país do sudeste da Ásia, que tem aterrorizado o povo malaio por décadas, com sua insaciável sede de sangue de garotas jovens. Trata-se de uma velha senhora que veste um longo e esvoaçante jilbab* que esconde seu rosto horrendo, cheio de bolhas, feridas e cicatrizes. Ela vai de casa em casa batendo nas portas á procura de vítimas. “Hantu”, no idioma malaio, quer dizer “fantasma”; e por causa de suas deformidades faciais, não consegue pronunciar a saudação tradicional muçulmana “As-salam alaykum”, por isso quando tenta, só consegue dizer “kumkum”.

   Segundo a crença popular, a Hantu KumKum já foi uma jovem e bela mulher, porém nunca estava satisfeita com a própria aparência. Conforme foi envelhecendo, e sua beleza esvaindo-se, ela saiu á procura de uma maneira de restaurar sua juventude.

   Ela então consultou um bomoh, um tipo de “shaman” ou feiticeiro típico da Malásia, que lhe disse que através da magia negra e do ocultismo era possível dar-lhe a beleza eterna. Ele então deu-lhe uma poção para beber, e lhe disse para não olhar seu reflexo em um espelho por 30 dias.

   Apesar do aviso, a mulher ficou atormentada pela curiosidade. A cada vez que ela tocava o próprio rosto, sentia seu rosto mais macio e podia sentir suas rugas desaparecerem. Todo mundo que ela encontrava lhe dizia o quão bem ela aparentava. No 29º dia, a tentação tornou-se insuportável, e ela acabou quebrando a regra dando uma olhadela no canto de um espelho.

   O espelho então se quebrou, assim como o rosto da pobre mulher. Bolhas e feridas começaram a aparecer em sua pele, e seu rosto começou a mudar, se tornando terrivelmente deformada e horrível de se olhar.

   Em desespero, a mulher horrorizada voltou ao bomoh e implorou a ele que fizesse alguma coisa. Ele disse que não havia nada o que fazer por ela, e que a única maneira na qual o efeito poderia ser revertido, seria se ela bebesse o sangue de garotas jovens.

   Então assim começou a história da Hantu KumKum. Ninguém, nem mesmo a Hantu KumKum, sabe a quantidade de sangue necessária para restaurar sua aparência. Dizem que até os dias de hoje seu espírito continua vagando pela terra, atacando garotas para consumir seu sangue, na esperança de recuperar sua beleza.
   
 *Jilbab: vestimenta muçulmana longa e com capuz. Lembrando que a população malaia é predominantemente muçulmana, por isso lá é comum o uso de roupas tradicionais da religião.






    Fonte:

    Scary for Kids. Kumkum, 1 de novembro de 2015.Disponível em <https://www.scaryforkids.com/kumkum/>. Acesso em 8 de julho de 2020.