Na Cantábria, há umas bruxas chamadas anjanas, possuidoras de grandes poderes, que recompensam os bons e castigam os maus. Há também os ojáncanos (cíclopes), bruxos com um só olho no meio da testa, que só pensam em prejudicar as pessoas. Vivem em grutas e são eternos inimigos das anjanas.
Um dia, uma anjana perdeu uma pequenina caixa que continha quatro alfinetes, cada qual com um brilhante, e tres agulhas de prata com orifício de ouro.
Uma mendiga, que andava pedindo esmolas de povoado em povoado, encontrou a caixinha. Mas sua alegria durou pouco, pois logoa mendiga concluiu que, se tentasse vender a caixinha, todos pensariam que a havia roubado. Assim, não sabendo o que fazer com aquele tesouro, resolveu guardá-lo.
A mendiga vivia com um filho, já moço, que a ajudava a conseguir seu sustento. Certo dia, o rapaz foi até o bosque, na encosta de um monte, para apanhar frutos silvestres. Estava tão concentrado em escolher os frutos mais saborosos, que não percebeu a presença de um ojáncano, que o raptou, num abrir e fechar de olhos.
Desesperada, ao ver que passavam os dias e seu filho não voltava, a pobre mulher continuou pedindo esmolas, sempre levando a preciosa caixinha no bolso. Como não sabia que um ojáncano havia raptado seu filho, julgou que ele houvesse se perdido no bosque e que agora já estivesse morto. Então chorou amargamente, porque aquele era seu único filho.
Certo dia, depois de pedir esmolas durante horas, sem conseguir quase nada, passou diante de uma velhinha que costurava. Justo naquele momento, a agulha da velhinha se partiu e ela perguntou:
- Por acaso a senhora não teria uma agulha para me emprestar?
- Tenho, sim, pois outro dia encontrei uma caixinha com quatro alfinetes e três agulhas - respondeu a mendiga. - Por tanto, vou lhe dar uma.
A velhinha agradeceu e a mendiga seguiu seu caminho. Pouco depois, passou diante de uma moça muito bonita, que estava fazendo barra num vestido. E aconteceu exatamente o mesmo: a agulha da moça se quebrou. Então, a mendiga deu de presente a segunda agulha.
Mais tarde, passou diante de uma menina que bordava... E uma vez mais o fato se repetiu. Assim, a mendiga deu de presente a terceira agulha.
Na caixinha, só restavam os alfinetes. E aconteceu que no final daquele dia a mendiga encontrou uma jovem, que tinha um espinho cravado no pé. A jovem lhe perguntou se ela não teria um alfinete para ajudá-la a tirar o espinho. E, claro, a mendiga deu-lhe um dos alfinetes.
Ao cair da tarde, encontrou outra moça, que chorava desconsolada, pois havia rasgado sua saia num arbusto. Com isso, a mendiga deu seus três últimos três alfinetes para que a moça arrumasse a saia. Assim, acabou ficando com a caixinha vazia.
A mendiga continuou andando e chegou a um rio. Mas não havia ponte para atravessá-lo. Então ela caminhou pela margem, na esperança de encontrar vau, um trecho onde o rio fosse mais raso, para que pudesse passar. Estava concentrada nisso, quando ouviu uma voz que parecia vir da caixinha:
- Aperte-me contra a margem do rio.
A mendiga obedeceu. De repente, surgiu uma grande prancha de madeira, que cruzava o rio de lado a lado, como uma ponte. Assim, a mendiga pôde chegar à outra margem. Ouviu novamente a voz que, agora não restava dúvida, vinha mesmo da caixinha:
- Sempre que você desejar algo, ou precisar de ajuda, aperte-me.
A mendiga seguiu o seu caminho, mas teve a má sorte de não encontrar nenhuma casa onde pedir esmolas. O dia, que já se findava, tinha sido exaustivo. E ela sentia uma fome terrível. Então lembrou-se da caixinha e pensou: "Será que ela me daria algo para comer?"
Apertou a caixinha com as duas mãos e no mesmo instante apareceu um pão quentinho, como se tivesse acabado de sair do forno. Muito contente, a mendiga o saboreou com prazer enquanto continuava sua caminhada. Pouco tempo depois avistou uma casa, à qual se dirigiu, a passos largos, para pedir esmola. Mas na casa só havia uma mulher que chorava pela perda da filha, que tinha sido raptada por um ojáncano que vivia no bosque, na encosta do monte. Compadecida, a mendiga lhe disse que iria até lá procurar a moça.
Mas nem sabia por onde começar a busca. Por isso, decidiu recorrer uma vez mais à caixinha. Apertou-a com força e, no momento seguinte, apareceu uma corça, com uma grande mancha em forma de meia-lua, na testa. A corça olhou-a com mansidão e, em seguida, começou a andar em direção ao bosque. A mendiga a acompanhou por muito tempo, até que a corça se deteve diante de uma grande pedra e ali permaneceu, como se esperasse por algo, ou alguém.
Desconcertada, a mendiga voltou a apertar a caixinha e, diante de seus olhos, surgiu um martelo bastante pesado. Erguendo-o com dificuldade, a mendiga golpeou a pedra com todas as suas forças, até que esta se rompeu, deixando à mostra a entrada de uma gruta... Era ali que morava o ojáncano.
A mendiga entrou, acompanhada pela corça. Embora a gruta estivesse mergulhada na mais completa escuridão, a meia-lua na testa da corça brilhava, iluminando o caminho. As duas vasculharam a gruta, até que encontraram um rapaz, que dormia profundamente.
A mendiga reconheceu nele o filho desaparecido algum tempo atrás. Então compreendeu que o ojáncano que habitava aquela gruta o havia raptado. Emocionada, ela despertou o filho. Ambos se abraçaram com imensa alegria e apressaram-se a sair dali com a ajuda da corça.
Os três foram para a casa da mulher que chorava a perda da filha. Mas, lá chegando, a mendiga viu que ela já não chorava a perda da filha. E reconheceu, por seu olhar bondoso, que aquela mulher era uma anjana.
- A partir de hoje, esta será sua casa - disse a anjana. - Nunca mais deixe que seu filho vá ao bosque, a menos que ele prometa que tomará muito cuidado. Agora, aperte pela última vez a caixinha.
A mendiga obedeceu. Pressionou a caixinha com força e, logo em seguida, apareceram cinquenta ovelhas, cinquenta cabras e seis vacas. Assim que terminaram de contar os animais, a mendiga e o filho viram que a corça, a anjana e a caixinha de alfinetes haviam desaparecido, como que por um passe da mais pura magia.
* Cantábria é uma comunidade autônoma localizada no norte de Espanha. É limitada a leste pelo País Basco, a sul por Castela e Leão, a oeste pelo Principado de Astúrias e a norte pelo Golfo da Biscaia.
Anjana, bruxa boa da Mitologia Cantabriana
Ojáncano, cíclope da Mitologia Cantabriana
Fonte: livro Contos Populares Espanhóis, seleção e tradução por Yara Maria Camillo (original de José Maria Guelbenzu)
2 comentários:
Muito bom... <3
Gratidão ♡
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