Era uma vez um homem de coração puro, que reunia grandes qualidades de caráter. Logo vocês verão o que lhe aconteceu...
Certo dia, esse homem encontrou uma bruxa transformada em raposa. A bruxa não podia voltar a sua forma de mulher porque, ao banhar-se no rio, tinha deixado suas roupas num arbusto e alguns rapazes as haviam roubado.
Já que ninguém estranha a nudez dos animais, a bruxa havia preferido se transformar em um deles para não causar escândalo.
Impressionado com essa triste história, o homem foi buscar as roupas para que a mulher se vestisse e, assim, deixasse de ser raposa.
A bruxa, muito grata, deu-lhe um gorro verde e disse:
- Com este gorro, você poderá ler os pensamentos das pessoas.
O bom homem ficou muito feliz com o presente. Agora, poderia saber o que as pessoas pensavam a seu respeito. Assim, encontraria sempre a melhor forma de se entender com elas. E sua vida seria muito mais agradável.
Logo lembrou-se de um vizinho, que vivia reclamando por causa de uma nogueira que ficava entre o seu quintal e o dele. O problema poderia ser resolvido facilmente com um pouco de boa vontade, mas o vizinho o estava processando.
O homem decidiu cuidar desse assunto. Colocou o gorro e foi procurar o advogado que contratara para defendê-lo. Queria conversar com ele, ouvir sua opinião e saber em que pé andava o processo. assim que o encontrou, leu seu pensamento:
'Estive perdendo meu tempo, ocupando-me da defesa desse paspalho. Mas ainda vou reverter o jogo: cobrarei dele a quantia que necessito para o dote de minha filha, que se casará em breve. Depois, arranjarei uma boa desculpa para mandá-lo embora."
O bom homem, horrorizado com o que acabara de descobrir, decidiu tratar do caso diretamente com o vizinho. Tentaria fazer um acordo, dispensaria o advogado e, assim, o problema estaria resolvido.
Sem perder tempo, foi à casa do vizinho, cheio da maior boa vontade. Mas, como continuava usando o gorro verde, logo adivinhou o que o vizinho pensava:
"Já sei o que vou fazer com esse idiota. No dia em que ele estiver cuidando de suas videiras, e que sua mulher for ao mercado, aproveitarei a oportunidade para atear fogo em sua casa."
Nem é preciso dizer o terrível efeito que essa revelação causou ao pobre homem, que se afastou dali a passos largos, sem dar explicações.
Desesperado, correu para casa com a intenção de contar à mulher o que havia acontecido. Queria pedir-lhe um conselho, pois, àquela altura, não tinha ideia sobre a qual a melhor atitude a tomar , na situação em que se encontrava.
Devido à pressa e à angústia, esqueceu-se de tirar o gorro. Tão logo se aproximou da esposa, percebeu o que ela estava pensando:
"Ah, veji que o imprestável do meu marido já está de volta. Qual seria o melhor jeito de me livrar dele? Talvez eu pudesse colocar veneno em sua sopa e despachá-lo para o outro mundo, que é o lugar ideal para homens santos e bobalhões. Livre deste traste, poderei me casar com aquele comerciante que anda me cortejando... Juntos, saberemos dar um bom destino ao dinheiro que esse paspalho vem guardando há anos."
Um golpe certeiro no peito não teria abalado tanto o bom homem, que se sentia prestes a perder o juízo. Ficou tão transtornado, que teve de se apoiar numa parede para não cair. Então decidiu procurar a filha para contar-lhe as verdadeiras intenções de sua mãe.
Logo que se aproximou da moça, pôde ler o que ela pensava:
"Assim que meu pai sair para trabalhar, vou descobrir onde ele guarda o dinheiro que vem economizando há tanto tempo. Pegarei o dinheiro e irei à casa de Juan, que está me esperando. Fugiremos para Barcelona e nos casaremos em segredo. Afinal, sei que meu pai não aprovaria essa união. Portanto, não tem sentido pedir sua bênção... Pensando bem, até que eu poderia convencê-lo, já que ele é ingênuo como uma criança. Mas não vejo o porque me dar a esse trabalho, se posso resolver as coisas mais facilmente."
Fora de si, o bom homem só conseguiu pensar no filho, a única pessoa que lhe restava. E foi procurá-lo em seu quarto. Encontrou-o ocupado em arrumar as malas.
Ainda com o gorro verde, o homem logo adivinhou o pensamento do rapaz:
"Que azar meu pai vir aqui justamente agora. Como vou lhe explicar que planejo sair de casa, correr o mundo, viver aventuras e fazer fortuna? Bem que eu poderia tentar... Mas será que vale a pena? Meu pai é um homem bom, porém um pouco burro. Aposto que eu levaria horas para convencê-lo a abençoar minha viagem. E, pensando bem, para que preciso pedir bênção se já sou um homem feito?".
- Basta! - Gritou o homem. - Já ouvi o bastante.
O presente da bruxa era o pior que já recebera em toda a sua vida.
Num ímpeto, ele arrancou o gorro, que só havia lhe trazido desgosto. Atirou-o ao fogo, para que nunca mais se sentisse tentado a usá-lo.
Por isso, na Catalunha, quando uma pessoa desesperada toma uma séria decisão, costuma-se dizer que ela "atirou o gorro ao fogo".
Catalunha, Espanha
Fonte: livro Contos Populares Espanhóis, seleção e tradução por Yara Maria Camillo (original de José Maria Guelbenzu)
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