Manu e o Dilúvio Indiano

Author: Luiza / Marcadores: , , , ,


Manu era um grande rishi que, no seio de uma floresta, impôs a si mesmo duras provas e penitências que cumpria com muito rigor. Assim, passou dez mil anos meditando profundamente, postado ereto, sustentando-se em uma só perna e com as mãos para o alto. Num certo dia, enquanto meditava, Manu teve suas vestes encharcadas pelas águas de um riacho, quando um peixe saltou sobre ele pedindo a sua proteção: um outro peixe, maior e muito perigoso queria devorá-lo. Em troca de ajuda. o peixe prometeu a Manu muitas recompensas.

   O grande rishi, então, atendeu ao peixe e o colocou num jarro de barro. Porém, o peixe cresceu e o jarro se tornou pequeno. Manu colocou-o em um tanque, mas o peixe continuou crescendo e o tanque também se tornou pequeno. 

   O peixe pediu a Manu que o levasse para o rio Ganges, “o favorito do oceano” e, mais uma vez, Manu atendeu ao seu pedido. Mas, já no caminho, o peixe considerou: 

   —  Com esse meu tamanho atual, não poderei me movimentar no rio. Leve-me para o oceano.

   E assim fez Manu, seguindo com o peixe até o mar onde pretendia deixá-lo a salvo e vivendo livremente. Mas, antes que Manu se afastasse, o peixe avisou:

   —  Manu! A dissolução do Universo está próxima. É chegado o tempo da purgação do mundo. Eu o aconselho, Manu, protetor adorável que merece ser salvo: construa uma grande e resistente arca e nela amarre uma corda igualmente forte e muito longa. Depois de pronta, vá para o seu interior com os sete rishis, levando consigo todas as diferentes sementes enumeradas pelos brâmanes do passado. Preserve-as com cuidado e espere por mim. Ressurgirei na forma de um animal com chifres. Então, obedeça às minhas instruções, caso contrário, você não sobreviverá. O dilúvio será terrível!

   O grande rishi, seguindo o conselho do peixe, construiu o navio e recolheu todas as diferentes sementes que havia. Logo em seguida, sete sóis abrasadores surgiram no firmamento trazendo uma terrível seca que fez desaparecerem as águas. Depois, movido por um vento forte, o fogo varreu toda a terra e destruiu todas as coisas. Era como se o universo inteiro estivesse em chamas.

   Num só instante, nada mais havia.
   Nuvens multicoloridas e brilhantes, cujos desenhos lembravam manadas de elefantes com coroas de relâmpagos, juntaram-se no céu escurecendo tudo.

   E choveu durante doze anos!
   Somente quando florestas e montanhas foram totalmente cobertas pelas águas, as espessas nuvens desapareceram e o Criador amainou os ventos.

   O Universo era uma apavorante vastidão de água!

   Manu, que havia seguido as instruções do peixe, inexplicavelmente, pode navegar em seu navio, resistindo à força das águas e dos ventos. Navegou sem rumo no mar revolto e ao pensar no peixe, o viu surgir diante de si como uma ilha de salvação. Na sua nova forma, como havia dito que viria, tinha grandes chifres e neles enlaçou  grossa corda atada ao navio. E foi assim que conduziu Manu e sua grande arca.


   Chacoalhando, rangendo, de um lado para outro, o navio navegou como estivesse bêbado. Não havia um único pedaço de terra à vista. Tudo o que havia era Manu, a arca puxada por um animal de chifres enormes, os sete rishis e água, muita água cobrindo tudo, inclusive o firmamento.

   Muitos anos se passaram até chegar o dia em que o navio foi lançado contra o pico mais do Himavat, hoje chamado de Naubandhana.

   Então, solenemente o peixe falou:

   — Eu sou Brahma, o Senhor de todas as criaturas! Nada há que me supere. Nada há que me detenha. Salvei você do cataclisma, Manu! Agora, você criará novamente deuses, homens e todos os seres, sejam aqueles que receberam o dom da locomoção como também aqueles que não se locomovem. Você, Manu, adquiriu esse poder ao passar, durante dez mil anos, por duras penitências. 

   E foi assim que Manu iniciou a criação de todos os seres na ordem própria e exata conforme lhe foi determinado.



Glossário

Rishi: do Sânscrito, sábio santo ou iluminado, vidente.


Fonte:

   FORJAS, Sonia Salerno. A princesa que enganou a morte e outros contos: Contos Mágicos Indianos. DeLeitura. São Paulo. Editora Aquariana LTDA. 2009. 

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