Olá pessoal! Eis aqui um conto brasileiro bem antigo, tanto que até a escrita é diferente. Caso vejam apóstrofos no lugar de algumas letras faltando, não são erros de digitação, é que no século 17 o português do Brasil era bem diferente e ainda muito parecido com o de Portugal. Foi retirado do livro "Lendas Brasileiras", de Luis Câmara Cascudo.
No ano de 1631, vivia na Capitania da Paraíba, Antônio Homem de Saldanha e Albuquerque, natural dessa mesma Capitania, que, encantado com a beleza e dotes de D. Sancha Coutinho, donzela de quinze anos, filha do abastado agricultor João Paulo Vaz Coutinho, senhor do "Engenho Andirobeira", situado a uma légua de distância da costa, aspirava a honra de a receber por esposa.
Dirigindo-se a seus pais, e solicitando a sua mão em casamento, eles a isso tenazmente se opuseram. Saldanha e Albuquerque, assim desenganado e desesperado pela recusa, que apagava todos os seus sonhos de felicidade e amor, sem mais esperanças e ambições, alista-se no exército, e marcha para o campo de guerra, quando as forças holandesas invadiram as plagas de sua província natal.
Saldanha e Albuquerque foi um dos heróis do célebre ataque do forte do Cabedelo. Passou-se para Pernambuco, e em 1933, na gloriosa defesa do Arraial do Bom Jesus, caiu, como morto, ferido por uma bala.
Em 1646, anos depois de suas desventuras, reaparece Saldanha e Albuquerque nessa província, mas trajando o hábito de sacerdote, sob o nome de Aires Ivo Corrêa.
A chegada dele foi assim celebrada:
São treze anos passados,
E de Jesus ao mosteiro
Chega a Olinda em pobres trajes
Um sacerdote estrangeiro
Traz o rosto macerado,
Que a dor o espr'ito lhe rende;
Nos olhos se lhe apagaram
As paixões que o mundo acende.
Em anéis d'oiro os cabelos
pelos ombros se declinam;
Palavras qu'esse anjo solta
Só perdão e amor ensinam.
Dias depois, partiu o Pdre Aires para a ilha de Itamaracá. Por esse tempo, já não existiam os pais de D. Sancha Coutinho; e ela, triste, abatida, e ralada de saudades, aí vivia então, em casa de seu irmão Nuno Coutinho, quando apareceu o padre em sua casa; reconhecendo naquele humilde sacerdote, o seu desventurado amante, morreu subitamente.
Quis ser ela a derradeira
Em ver o santo varão,
Mas põe-lhe os olhos no rosto
"Ai, meu Deus!" e cai no chão.
Sobre o sepulcro de D. Sancha Coutinho, plantou o padre Aires Ivo Corrêa uma mangueira, de cujos frutos provêm as mangas de jasmim, tão celebradas pelo seu aroma e delicado sabor.
E no lugar do sepulcro
Uma mangueira plantou
Onde o hábito de Sancha
Até morrer aspirou.
Visões que ela lh'ofr'ecia
Não são d' humano juízo;
A sombra que ela lhe dava
Era a sombra do pr'aíso.
Inda em torno da mangueira
Se vê um lindo jardim;
E as mangas do Padre Aires
São as mangas de Jasmim.
Nota:
Escrito por Francisco Augusto Pereira da Costa, 1851-1923. Com o título de "As mangas de Jasmim", divulgou Pereira da Costa essa lenda, tradicional em Pernambuco. Foi posteriormente reunida à p. 69 do "Mosaico Pernambucano", revista de história de Pernambuco, nº 3-4, outubro-novembro de 1927, Recife. O autor informa: "esses versos são produção do Dr. José Soarez de Azevedo, fragmento de uma bela poesia sobre a tradição popular das mangas de jasmim, da ilha de Itamaracá.
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