Quando a Morte Vem - Conto Popular Tailandês

Author: Luiza / Marcadores: , , , ,

 

A crença budista aconselha as pessoas a buscarem o livre arbítrio. Uma pessoa deve tentar desenvolver uma atitude indiferente diante certas emoções, seja ela tristeza, desapontamento, raiva, ou irritação, tendo o entendimento de que, independente do que acontecer, vai acontecer de acordo com as forças cármicas e deve ser aceito sem angústia.


  Um indivíduo escolhe livremente melhorar seu futuro ao realizar boas ações, tendo bons méritos. A Vida e a Morte para o Budismo são não mais do que dois opostos da mesma existência cíclica. O Budismo Tailandês almeja desenvolver o plongtok
 (ปลงตก), que é o estado de controle da própria mente, sendo indiferente diante do que quer que aconteça, e aceitando o que vier com atenção, mas sem tristeza. 

   É costume em vários países da Ásia cremar o corpo dos mortos. Preferem queimá-los do que enterrá-los, pois acreditam que é a maneira correta de devolver o corpo humano aos elementos. 

   Há uma lenda na Tailândia, de uma família de 6 membros que morava em uma pequena cabana. Consistia de um pai, uma mãe, um filho, uma filha, uma nora e uma criada. 

   Certo dia, pai e filho foram para a plantação de arroz arar a terra. Era um dia quente, e eles trabalharam arduamente. Então, quando o filho estava arando, ele pisou em uma cobra e foi mordido, logo caiu no chão e morreu. Apesar do pai estar ao seu lado, não havia nada que poderia ser feito, tudo aconteceu tão rápido. Em um momento, o filho estava vivo, trabalhando no campo, então de repente foi picado por uma cobra, caiu e morreu. 

   Quando o pai percebeu que não havia nada que ele podia fazer para salvar a vida de seu filho, carregou o corpo até a sombra de uma grande árvore. Deitando o corpo cuidadosamente na sombra da árvore, o pai se virou e retornou ao trabalho no campo. 

   Ao meio dia, o pai viu um vizinho indo para casa para o almoço. Ele falou ao vizinho: “por favor, vá até a minha casa e diga a minha esposa que mande apenas um almoço. Hoje ela não precisa trazer almoço para o nosso filho. Mas peça a ela que chame cada um da família para vir para cá. Obrigado.”

   O vizinho disse à mãe o que o pai havia pedido. Quando sua família se juntou à ele no campo, o pai os contou sobre o que havia acontecido ao filho. Ninguém da família chorou. Silenciosamente, eles começaram a juntar lenha para fazer uma fogueira crematória. Silenciosamente, eles acenderam a fogueira. Silenciosamente, eles deitaram o corpo do filho sob a fogueira ardente. Silenciosamente, eles assistiram ao corpo do filho ser reduzido à cinzas pelas chamas. 

  Naquele momento, um brâmane passava pelo local. Ele viu a família reunida silenciosamente ao redor das cinzas em chamas e perguntou: “A quem é que vocês estão cremando?”. O pai respondeu: “ É o meu filho, querido brâmane. Nós somos sua família. E esta é sua mãe, sua esposa, sua irmã e sua criada.”

   O brâmane se surpreendeu ao ver que nenhum dos membros da família estava chorando ou parecia desconsolado. E disse: “Perdão, querido fazendeiro, mas é realmente o seu filho quem morreu?. O pai então respondeu: “Sim, é o meu filho. Foi mordido por uma cobra hoje de manhã. Aconteceu aqui mesmo, na plantação de arroz, bem na minha frente.”

 —  “Mas querido fazendeiro, por que você não parece triste?”. Seu filho deve ter sido uma pessoa muito má, para que você nem ao menos lamente sua morte.

 — Não, não é isso, ele era um filho muito obediente, respeitava os mais velhos, era um bom homem. Mas a situação é como a da cobra que renova a sua pele: assim que descama, abandona a pele antiga e não volta mais a pensar nela. Se alguém por acaso pisa em sua pele antiga, a cobra não se zanga, não se preocupa, não se entristece. O mesmo acontece em relação à morte do meu filho. Se eu queimo seu corpo, ele não se zanga, não se entristece por eu ter destruído seu corpo. Isso para mim é verdade. Por isso, eu não me entristeço pela morte do meu filho.

   O brâmane acenou a cabeça em concordância. Então ele se voltou para a mãe: “Mas você choraria pela morte do seu filho se você de fato o amasse?”

   A mãe respondeu: “Eu, como todas as mães, amo muito o meu filho. Mas ainda assim, quando o meu filho veio ao meu ventre, ele não me avisou de sua chegada. E nem eu o convidei. Ele apenas veio. E eu o amei e criei. O ensinei a ser um bom cidadão. Agora que chegou o tempo do meu filho partir, ele não se despediu. Nem eu o pedi que fosse embora. Ele apenas foi. Se eu chorasse ele não saberia que eu chorei. E minhas lágrimas todavia não o ajudariam. Isso para mim é verdade. Por isso eu não choro.”

  Então o brâmane se voltou à esposa: “você e seu marido devem ter brigado muito, por que você nem ao menos chora por ele.” A esposa do falecido filho da família então respondeu: “Querido brâmane, meu marido foi muito amoroso e fiel. Eu o amo muito, mas uma criança, que nada entende, pode chorar pela lua no céu. Porém mesmo assim a criança nunca vai poder ter a lua. Meu marido acabou de falecer. Se eu chorasse até minhas lágrimas se transformarem em sangue, mesmo assim não traria meu marido de volta à vida. Isso eu entendo. Para mim isso é verdade. Eu não choro.

  Então o brâmane perguntou à irmã: “Mas você, irmã dele, você não lamenta pela morte de seu irmão? Era ele tão cruel que você nem ao menos fica em luto diante de sua morte?”

  A irmã então respondeu ao brâmane: Querido brâmane, meu irmão foi um bom irmão para mim. Mas quando uma agulha cai no oceano, é impossível recuperá-la. E é o mesmo com a morte do meu irmão. Sua vida agora se perdeu. Mesmo que eu chorasse até meu corpo cair de exaustão, eu ainda assim não poderia recuperar sua vida perdida. Eu nunca mais vou encontrar a agulha perdida no oceano. Nem nunca mais vou ver meu irmão vivo de novo. O veneno da cobra certamente matou o meu irmão. Isso para mim é verdade. Por isso, eu não choro.

   Para a criada o brâmane disse: “Você não se enlutece por este jovem? Ele deve te tratado muito cruelmente.”

   A criada respondeu: “Meu respeitável brâmane. Este jovem me tratava muito bem. Uma vez que um pote de arroz quebra, nós lamentamos. Nós queremos o pote de volta em sua forma original. Nós choramos até nos cegar. Mas mesmo assim o pote não se torna inteiro novamente. O mesmo acontece quando derramamos lágrimas por causa dos mortos. Nenhuma quantidade de choro traria os mortos de volta à vida. Isso para mim é verdade. Por isso, eu não choro pelos mortos. 

  Uma vez que o brâmane, um homem esclarecido, entendeu a lógica do fazendeiro e sua família, ele os parabenizou. Aplaudiu seu discernimento e sua habilidade de aceitar a morte calmamente e racionalmente. 



  
* Segundo a versão online do dicionário Michaelis, essa é a definição de carma:

 Princípio que rege a filosofia religiosa oriental, no budismo e no hinduísmo, segundo o qual o destino do ser humano é determinado pelo conjunto de suas ações em vidas anteriores. As boas atitudes podem gerar carma positivo e as más podem resultar em carma negativo. 

* Brâmane é um indivíduo da casta dos brâmanes, membros hereditários da casta sacerdotal, a primeira da tradicional estratificação social hindu. Por mais que a grande maioria dos tailandeses sejam budistas, a Tailândia tem uma forte influência hindu.


Fonte:
VATHANAPRIDA, Supaporn.; MACDONALD, Margaret Read; ROHITASUKE, Boonsong.
Thai Tales: Folktales of Thailand. Englewood, Colorado: Libraries Unlimited, Inc., 1994.

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