Sadko, o Mercador - Folclore Eslavo

Author: Luiza / Marcadores: , , , , , , , , , , , , ,


  Há muitos anos vivia na cidade de Novgorod um belo rapaz chamado Sadko. Andava sempre sem dinheiro. Toda a sua fortuna consistia no cabelo encaracolado, olhos azuis e o seu alaúde de madeira, de cujas cordas douradas arrancava doces melodias. Sempre que um nobre cavaleiro dava uma festa, Sadko era chamado para cantar as lendas antigas. Quando um mercador casava a sua filha, Sadko tocava para que a noiva bailasse. Pelo seu trabalho davam-lhe comida, bebida e um fardo de palha para repousar. As moças riam-se da sua túnica esfarrapada e diziam-lhe:
   - Queres dançar, Sadko? Dança com as canas que crescem à beira do rio, que não vão reparar nos farrapos da tua roupa.
 A maior parte das noites via-se Sadko obrigado a passá-las passeando pelas margens do rio Volga e cantar a sua beleza. Dizia ás águas:
   - Não há donzela na grande cidade de Novgorod, meu amado Volga, cuja beleza possa ser comparada com a tua.
 Passavam os anos e Sadko continuava a cantar o rio Volga.


 Um dia em que estava sentado na margem, enquanto a lua prateava as suas águas, surgiu um redemoinho no lugar mais iluminado como, se alguém tivesse lançado uma pedra. Cada vez se tornava maior a circunferência, até que, por fim, apareceu sobre as águas uma cabeça veneranda, de olhos verdes e grande barba, da qual pendiam ervas marinhas e vidros brilhantes. Por esta aparição soube Sadko que tinha diante de si o poderoso czar do Oceano:
 Disse o que emergira:
   - Tenho por ti um grande afeto, Sadko. As tuas canções dedicadas ao Volga comovem-me. Terás a tua recompensa se me jurares visitar-me sob o Oceano Azul para que a minha czarina possa ouvir melodias do teu alaúde.
 Respondeu Sadko:
   - Juro aqui mesmo que te visitarei, poderoso czar, sob o Oceano Azul para que a czarina possa ouvir o meu alaúde.
   - Lança então tua rede de pesca e o que apanhares será o presente que te faço.
 Dizendo isto, o czar desapareceu sob as águas, e depois de um novo redemoinho, como se tivesse sido um sonho.
 Sadko deitou as suas redes à água e apanhou um cofre de madeira. Ao abri-lo ficou maravilhado. Tinha diante dos seus olhos uma montanha de ouro, prata, pérolas, rubis e esmeraldas. Esmeraldas tão verdes que brilhavam como uma chama viva ao fulgor da Lua.
 Sadko voltou à cidade, onde vendeu a sua fortuna. Investiu, transforou-se num mercador. Assim multiplicou e acrescentou as suas riquezas. Continuava, no entanto, passeando pelas noites às margens do Rio Volga, cantando as suas maravilhas e dizendo às águas:
   - Não há donzela em toda a grande cidade de Novgorod, amado Volga, cuja beleza possa comparar-se com a tua.
 Mas o czar do Oceano não voltou a aparecer.
 Durante doze anos Sadko viajou pelo Oceano, negociando com longínquos países. Por fim alcançou tantas riquezas, que ninguém reunia outras que pudesse trocar-se por elas. Em todas as partes armava-se em poderoso, dizendo:
   - Sadko, o mercador, comprará todas as vossas mercadorias e todas as que possam existir em Novgorod. Carregará todos os seus galeões para os levar para fora, e se as suas riquezas não bastarem paa as comprar a todas, permite-vos que o enforqueis numa praça pública.
 E, com efeito, comprou o que se vendia no mercado, metendo tudo em arcas. Isto até que não ficou nada por comprar. Mandou os seus marinheiros que carregassem os galeões e , quando o fizeram, exclamou:
   - Timoneiros, levantem as âncoras, desfraldem as velas e façamo-nos ao mar.
 A frota de galeões zarpou. O primeiro parecia levar com orgulho Sadko, o mercador de Novgorod. Assim viajaram m dia e uma noite. Na tarde da terceira jornada viram-se obrigados a parar. Sadko exclamou:
   - Irmãos, lancem as sondas, meçam a profundidade da água e digam-me se demos com rochas escondidas ou com traiçoeiros bancos de areia.
 Os marinheiros obedeceram e mediram os fundos,mas sem encontrar rochas ou bancos de areia. Sadko chamou os timoneiros da frota. Ordenou-lhes que se reunissem no seu galeão com todos os marinheiros. Quando estavam todos, disse-lhes:
   - Desejo que encham uma medida com prata e outra com pérolas finas para as oferecer em nome de Sadko ao poderoso czar do Oceano. Durante doze anos viajei sobre as suas águas sem lhe pagar nenhum tributo e por isso creio que está zangado comigo.
 Os marinheiros encheram uma medida com prata, outra com ouro, outra com pérolas finas e atiraram-nas à água. Mas esta devolveu os presentes bradando:
   - Sadko, o czar não pede riquezas, mas sim uma vida humana. Que nenhum tronco de pinho cada navegante escreva seu nome e o de seus pais.
 Foi executada a ordem e os troncos rotulados flutuavam sobre as águas. Mas o tronco de Sadko, mercador de Novgorod, afundou-se no mar. Sadko exclamou:
   - Não se serve a madeira de pinho. Tragam-me troncos de carvalho e que cada um escreva o seu nome e o de seus pais.
 Assim se fez e todos os nomes voltaram a flutuar como patos na água. O de Sadko, mercador de Novgorod, afundou-se no mar. E o mercador exclamou uma vez mais:
   - Não serve madeira de carvalho! Tragam ciprestes porque Nosso Senhor foi crucificado num cipreste e abençoou essa madeira.
 Trouxeram pois ciprestes e cortavam-nos transversalmente. Todos escreveram o seu nome na madeira. Deitaram os troncos à água e só o de Sadko, mercador de Novgorod, foi para o fundo como se de chum bo se tratasse. Então, Sadko exclamou:
   - O que não pode ser evitado deve olhar-se de frente. Assim, eu Sadko, seguirei o meu nome às profundezas do Oceano Azul.
 Pôs sobre as costas o seu manto de arminho. Levava na mão esquerda umas medidas de pérolas perfeitas e na direita o alaúde, cujas cordas douradas murmuravam coisas de países longínquos. Os marinheiros lançaram Sadko às ondas e os ventos enfumaram as velas levando galeões a paragens longínquas. Sadko desceu até ao fundo do mar, mais baixo ainda do que os bancos de coral. Viu passar monstros marinhos, brilhar o corpo de um delfim e , por detrás de uma rocha, uma sereia. Por fim distinguiu um palácio de vidro verde, com adornos de jaspe e portas de esmeralda.

 Entrou Sadko no palácio e encontrou o czar do Oceano, sentado no seu trono, tendo ao lado a bela czarina. Perguntou com voz firme:
   - Poderoso czar do Oceano, porque me chamastes?
 Este franziu a testa com ira e respondeu:
   - Não juraste na margem do rio Volga que virias visitar-me? Não te recompensei por isso com riquezas? Durante doze anos viajaste pelos meus mares sem que o juramento te preocupasse. Agora chamei-te aqui contra a tua vontade e tocarás o alaúde até que te mande parar.
 Sadko tocou o seu alaúde diante do czar e o rosto deste alegrou-se como se o sol tivesse saído para iluminar uma passagem sombria. O monarca ergueu-se, colocou as mãos à cinta e começou a bailar ao compasso do alaúde.


Boris Olshansky. Sadko in the Underwater Kingdom. 1999


 Passou uma hora, duas, três. Os movimentos do czar eram lentos e graciosos, mas continuava a bailar sem se cansar, enquanto Sadko tocava também infatigavelmente. Quando o czar tinha dançado durante três horas, disse a czarina a Sadko:
   - Peço-vos que quebreis o vosso alaúde, Sadko. Não calculais o perigo que encerra, pois o czar quer bailar sempre. E quem será capaz de lhe negar a música? Se quiser bailar sobre as ondas convertê-las-á em verdadeiras montanhas e então os barcos ficarão sepultos pelas águas e os marinheiros morrerão.
 Sadko obedeceu à ordem da czarina. Partiu o seu alaúde de madeira e arrancou as suas cordas de ouro.
O czar gritava:
   - Continua a tocar, mercador de Novgorod! Não quero que pares!
 Sadko respondeu:
   - Não posso tocar mais. A madeira do meu instrumento partiu-se. As cordas rebentaram e só em Novgorod se pode compor o instrumento.
 Tão encantado estava o poderoso czar com a música e com a dança que olhou Sadko com simpatia e acabou por lhe dar os tesouros que abundavam no fundo do oceano azul. Por fim, perguntou-lhe:
   - Queres casar-te, Sadko?
 Sadko respondeu:
   - Sim, masjestade, mas não tenho noiva.
 Replicou o czar:
   - Eu tenho muitas filhas, e já que me trouxeste alegria ao coração, podes escolher entre elas a tua futura esposa.
 E chamou as filhas ali à presença deles.
 A czarina disse ao mercador:
   - Obedeceste aos meus desejos, mercador de Novgorod. Quero aconselhar-te. Não escolhas a tua noiva entre o primeiro grupo de formosas donzelas que o czar trará diante de ti, nem te decidas quando vires o segundo grupo. Do terceiro não escolhas uma formosa jovem, branca como o leite e rosada como as flores. Mas se queres ser o dono da Rússia e ver de novo a brilhante luz do sol, decide-te pela que se esconde atrás das suas irmãs, de tez morena e estatura baixa.
 O czar mostrou um grupo de formosas donzelas e convidou-o:
   - Escolhe dentre elas a noiva a teu gosto!
 Sadko respondeu:
   - Entre todas, ainda que sejam muito formosas, não encontro nenhuma que me agrade.
 O czar chamou o segundo grupo e pediu de novo a Sadko que escolhesse entre elas a sua noiva. Respondeu Sadko:
   - Entre todas, apesar da extraordinária beleza, não encontro nenhuma que me agrade.
 O czar voltou pela terceira vez com o último grupo:
   - Escolha agora, Sadko, uma noiva que seja do teu desejo, pois apresentei-te já todas as minhas filhas e uma delas há de ser tua esposa.
 Sadko olhava-as à medida que passavam e tocou naquela que se escondia por detrás de duas irmãs, e tinha tez escura e pequena estatura.
   - Esta moça agrada-me!


Ilya Repin, Sadko.1876 - Oil on canvas. State Russian Museum, Saint Petersburg, Russia.


 O czar deu a donzela por esposa ao mercador, com um dote de prata, ouro e pérolas perfeitas. Foi conduzido Sadko a um quarto espaçoso para descansar, e mal se deitou pôs-se a sonhar. Acordou na margem do Rio Volga, iluminado por um formoso sol. Sadko tinha todos os seus tesouros amontoados aos pés. Mas a filha do poderoso czar do Oceano havia desaparecido.
 Durante doze compridos anos os batéis do mercador subiram e desceram o Rio Volga favorecidos por ventos e mares. Nunca a fortuna o perturbou. Ao fim desse tempo todo, Sadko teve desejos de voltar contemplar a grande cidade de Novgorod. Deitou à água, o pão e o sal, e exclamou:
   - Presto-te este tributo, pai Volga, o teu curso sulcaram os batéis durante doze compridos anos, favorecidos por ventos e mares, Prosperei e floresci e nenhuma fortuna perturbou a minha paz. Agora quero voltar a Novgorod, onde passei a minha juventude.
 O rio respondeu:
   - Vai, digno mercador, e quando chegares à torre onde estão as portas da cidade, saúda o meu irmão Ilmen em nome do Volga.
 Sadko viajou para Novgorod, e quando chegou às portas da cidade, onde se encontrava a torre, fez uma saudação ao lago Ilmen dizendo:
   - És poderoso, Ilmen, saúdo-te em nome do teu irmão Volga e saúdo-te também em nome de Sadko, mercador de Novgorod.
 Um jovem surgiu então sobre a margem e exclamou:
   - Agradeço-te os cumprimentos, amigo, mas gostaria de saber como ganhastes os favores do Volga.
 Sadko respondeu:
   - Durante doze largos anos o percorri. Naveguei desde o lugar onde nasce até o lugar onde desemboca, em Astrakan. Favoreceu-me com eventos e paguei-lhe o tributo.
 O rapaz replicou:
   - Vai a Novgorod e volta esta noite trazendo contigo três pescadores e três redes. Faz com que deitem as suas redes nas minhas águas e eu te recompensarei pelo amor que dedicastes ao meu irmão.
 Sadko voltou pela noite com três pescadores e três redes. Deitaram os aparelhos e ao recolhê-los, na primeira rede havia peixes brancos como a neve; na segunda, peixes de cor vermelha viva, e na terceira outros de cores variadas, que brilhavam à luz da lua. Sadko pegou no presente de Ilmen e enterrou-o numas cavernas,sob a terra, fechando-o com barras de ferro e colocando uma sentinela a guardar o tesouro. Durante três dias não o viu, mas ao quarto dia abriu as grades das cavernas e escancarou as portas de par em par. Oh, surpresa! Os peixes brancos estavam transformados em moedas de prata, os vermelhos em ouro, os de várias cores em pérolas maravilhosas que brilhavam à luz da lua. Sadko em pé na margem do Ilmen saudou profundamente o lago e disse:
   - Obrigado te dou, Pai Ilmen, pelo tesouro de ouro, prata e pérolas maravilhosas que me ofereceste.
 O Ilmen respondeu:
   - Está bem, Sadko. Sê feliz com as tuas riquezas e prepara uma festa na cidade de Novgorod, para que se conheça uma nova glória.
 Sadko cumpriu a ordem de Ilmen. Houve festejos em Novgorod durante três dias e três noites.
 Sadko, o homem mais rico de Novgorod, passeava pela praça do mercado quando descobriu num recanto muito escuro uma pilha de porcelanas quebradas. Sorridente, perguntou aos vendedores:
   - Vocês vendem estas porcelanas?
   - Sim, Sadko.
 Sadko comprou os restos de porcelana e disse:
   - Pode ser que as crianças gostem de brincar com isto e se lembrem mais tarde de Sadko. Dirão: "Rico era Sadko, ou rica era a cidade de Novgorod, que possui tesouros trazidos do fundo dos mares. Mas Novgorod também é rica em porcelanas partidas".


Apollinarii Vasnetsov (1856-1933) - Old Veliky Novgorod, 1901. Óleo sobre tela, 106 x 177 cm.


   Fonte: 

MOUTINHO, Viale. Contos Populares Russos. São Paulo: editora Landy, 2000.

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