Liu Yu e o Rei Dragão - Mitologia Chinesa

Author: Luiza / Marcadores: , , , , , , , , , , ,

 

Arte por Carolina Young

   Conta-se que, nos tempos em que a Dinastia Tang governava a China, um rapaz chamado Liu Yu, natural da região dos lagos no centro do país, foi estudar e fazer exames na importante cidade de Chang'an. Após resolver seus assuntos, cavalgava de volta à sua terra quando encontrou uma bela jovem a cuidar de um rebanho de ovelhas, e que chorava sem parar. Liu Yu apeou-se e perguntou se podia ajudá-la. A moça lhe disse:
  - Sou filha de um poderoso rei dragão do lago Dontig, e me cansei com um filho do rio Jing. Mas meu marido me maltrata e não se importa comigo, e meus sogros acham que tudo que ele faz está certo. Queria pedir ajuda a meu pai, mas como ir sozinha para tão longe? Se você quiser me ajudar, pode ir até o lago e contar a ele o que me acontece!
   Liu Yu concordou em fazer o que ela pedia, mas contestou:
  - Como poderei chegar à presença do rei dragão? Não conseguirei descer às profundezas do lago.
   A filha do rei então explicou:
  - Junto às margens do norte do lago, existe uma grande árvore sagrada. Quando você chegar lá, prenda seu cinto em volta da árvore, bata três vezes no tronco. Alguém aparecerá para levá-lo à presença de meu pai. Então, entregue-lhe uma carta.
   Ela deu ao rapaz uma carta que escrevera ao pai. Ele a guardou e, quando estava montando de novo para segui viagem, comentou:
  - Eu não sabia que os seres celestiais como você cuidavam de rebanhos de ovelhas.
  - Estas não são ovelhas - retrucou a moça. - São trabalhadores da chuva, fabricantes de trovões e relâmpagos.
   Por mais que Liu observasse, porém, não via diferença entre aquelas ovelhas e as comuns. Assim, despediu-se dela e partiu. Quando olhou para trás, não mais viu nem a filha do rei dragão nem suas ovelhas...
   Após passar por sua casa, decidiu ir logo em busca do lago Dontig. Viu a árvore sagrada ao norte, atou em redor dela seu cinturão e por três vezes bateu no tronco. Como ela havia dito, alguém surgiu: um homem saiu das águas do lago e o saudou.
  - Quero ver o seu rei - disse-lhe Liu Yu.
   Sem discutir, o homem tocou nas águas do lago, que se abriram. E pediu:
  - Feche os olhos por um momento.
   O rapaz obedeceu e seguiu o homem. No instante seguinte, voltou a abi-los e viu que se encontrava em um enorme palácio, luxuoso, repleto de colunas, torres, ornamentado por plantas belíssimas, e revestido com pedras preciosas. Uma grande porta se abriu e, entre nuvens, apareceu uma figura nobre: o rei dragão em pessoa.
  - Nossa casa é muito difícil de encontrar, forasteiro. Por que veio até aqui?
   Ajoelhando-se diante do rei, o rapaz explicou que trazia uma carta da filha do rei, e contou a situação em que a encontrara. O dragão tomou a carta, leu-a e começou a chorar.
  - Minha pobre filha! - exclamou. - Foi por minha culpa que ela partiu para se casar. E agora está sofrendo, sem que eu nada fizesse para ajudá-la! Mas você, um estrangeiro, colocou-se ao serviço dela. Nunca esquecerei isso!
   A essa altura, os servos do rei também liam a carta da princesa e também começavam a chorar. Logo levaram a mensagem para os aposentos das mulheres, que desandaram a chorar tão alto que o rei se preocupou. Chamou um criado e disse-lhe:
  - Avise as mulheres para não fazerem tanto barulho, ou Chiantang as ouvirá!
  -  Quem é Chiantang? - indagou o rapaz.
  - É meu irmão, e tem um gênio terrível. Já casou tremendas inundações, e agora tenho que vigiá-lo para que o Deus Celestial não o castigue...
   Mal havia dito isso, e ouviu-se um rugido tremendo, que fez sacudir todo o palácio. E apareceu um imenso dragão vermelho, cercado por trovões e relâmpagos, ocupando quase toda a sala. Liu Yu se apavorou e tornou a ajoelhar-se, mas, em um segundo o dragão deixou o palácio. O rei acudiu o rapaz.


  - Não tenha medo, ele já foi. Agora devemos aguardar que retorne... enquanto isso, vamos beber e conversar.
   Ordenou que os servos servissem bebidas e perguntou ao rapaz tudo sobre sua vida. Ainda estavam conversando quando ambos ouviram suave música invadir a sala. E um grupo de belas jovens entrou. Uma delas foi abraçar o rei; Liu Yu reconheceu a moça que vira cuidando das ovelhas.
  - Eis aqui minha filha, que era prisioneira do rio Jing! - o dragão se alegrou.
   Em seguida, entrou na sala do palácio um senhor nobre, ricamente vestido, que era o aspecto humano de Chiantang, o irmão do rei. Ele agradeceu ao rapaz por ter trazido notícias da sobrinha e explicou:
  - Fui ao rio Jing e lutei com todos os seus soldados para libertar minha sobrinha. Depois fui ao reino do Deus Celestial e expliquei o que houve. Ele me perdoou, pois o que fiz foi para salvar nossa princesa...
  - Você matou muita gente? - perguntou o rei dragão.
  - Umas seiscentas pessoas.
  - Inundou as terras?
  - Destruí tudo.
  - E meu genro?
  - Eu o devorei.
   O rei dragão ficou irritado.
  - Apesar de o marido de minha filha ser um inútil, você se precipitou. Ainda bem que pediu perdão ao Deus Celestial... Precisa controlar seu gênio, meu irmão!
   Chiantang prometeu comportar-se, e Liu Yu foi convidado a ficar no palácio para as festividades do dia seguinte. Foram festas maravilhosas, festejando a volta da filha do rei dragão, com muito luxo, comida e bebida. A certa altura, Chiantang, que já havia bebido muito, chamou o jovem e lhe disse:
  - Minha sobrinha merece alguém melhor do que aquele inútil que eu matei. Você deveria casar-se com ela, eu sei que você a ama!
   Liu Yu ficou preocupado com a proposta do dragão vermelho. Sentia-se atraído pela jovem, mas ela era parte de um povo imortal, e ele um simples homem do povo! Como era muito diplomático, conversou com o irmão do rei tentando não despertar sua fúria ao recusar casar-se com a princesa. No outro dia, despediu-se do rei e preparou-se para partir. O rei mandou que alguns servos o acompanhassem até sua terra, levando presentes riquíssimos. Ao despedir-se da princesa, Liu Yu se arrependeu de não ter aceitado a proposta de Chiantang, pois ela lhe sorria com carinho. Mesmo assim, partiu da corte do rei dragão e voltou para casa.
   Com todos os valores que recebera, Liu Yu se tornou rico e próspero. Casou-se pouco tempo depois, porém sua esposa faleceu. Casou-se uma segunda vez, mas a mulher também veio a morrer. Então propôs casamento à filha de uma família nobre da região, e o casamento se fez com muitas festas.
   Era feliz com sua terceira esposa, embora achasse algo estranho em seu rosto. Com o passar dos meses, percebeu que ela ia se parecendo, cada vez mais, com a filha do rei dragão! Mas nunca lhe disse nada. Contudo, quando seu primeiro filho nasceu, a moça lhe contou a verdade: ela era mesmo a jovem que ele ajudara a salvar, mudara seu rosto por magia e somente aos poucos ia se revelando a ele.
  - Fiquei muito triste quando você recusou o casamento que meu tio lhe propôs - ela disse -, mas sempre acreditei que seríamos felizes juntos.
   Liu Yu e sua esposa tiveram, realmente, uma vida cheia de felicidade. Passaram a visitar a família dela no palácio sob o lago Donting. E, conforme os anos transcorriam, ele percebeu que não envelhecia! Decidiu então ir, com a esposa e os filhos, morar nos domínios do rei dragão.
   Diz a lenda que até hoje ele vive por lá, e que às vezes é visto sobre as águas do lago, contemplando as terras às quais nunca mais voltou.



    Fonte: livro Volta ao Mundo em 80 Mitos, de Rosana Rios

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